Senadores e deputados que não tiveram sucesso nas eleições de outubro e estarão sem emprego a partir de fevereiro de 2019 estão correndo para garantir um restinho de influência política, enquanto o país presta atenção à montagem da equipe de Jair Bolsonaro. Não basta colocarem bombas fiscais nas mãos do próximo presidente; nas duas casas do Congresso, parlamentares tentam também emplacar nomeações e até mesmo alterar leis que buscavam impedir ou pelo menos dificultar as indicações políticas na estrutura do Estado.
O Senado, apesar da cordialidade com que Bolsonaro foi tratado pelo presidente da casa, Eunício Oliveira (MDB-CE, não reeleito), já havia imposto ao presidente eleito uma primeira derrota quando aprovou o reajuste dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Agora, está dando seu aval a nomeações em agências reguladoras, desrespeitando um acordo de cavalheiros feito entre Bolsonaro e Michel Temer, segundo o qual não haveria nomeações neste fim de ano.
Indicações políticas para outros cargos são um tesouro preciosíssimo para muitos deputados e senadores
É assim que, por exemplo, Victor Hugo Bicca foi confirmado na recém-criada Agência Nacional de Mineração (ANM), a substituta do Departamento Nacional de Produção Mineral. Bicca é afilhado político de outro parlamentar não reeleito, o deputado federal Leonardo Quintão (MDB-MG). Fontes tanto da oposição quanto ligadas a Temer admitiram à reportagem da Gazeta do Povo que o atual presidente estaria trabalhando contra o acertado com Bolsonaro para manter influência, apostando que o novo presidente não revogará o que o Senado vem aprovando – em alguns casos, isso nem seria possível; os diretores das agências reguladoras, por exemplo, têm mandato fixo definido por lei.
Mas o pior golpe vem sendo tramado na Câmara e busca desfigurar a Lei das Estatais, uma das “heranças benditas” da gestão Temer. O Senado já tinha aprovado uma lei semelhante para as agências reguladoras, o PLS 52/2013, que passou a tramitar na Câmara sob o número 6.621/2016. Ele espelhava, em muitos aspectos, o que já tinha sido definido na Lei das Estatais, cujo artigo 17 proíbe a indicação para a diretoria e para o Conselho de Administração dessas empresas “de pessoa que atuou, nos últimos 36 meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral”. A mesma proibição valeria para “parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau” dessas pessoas e de várias autoridades, como parlamentares, secretários de Estado e dirigentes partidários. O artigo 44 do PL 6.621 pretendia impor às agências reguladoras as mesmas vedações previstas na Lei das Estatais – uma medida saneadora importante.
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Mas a comissão especial criada para discutir a lei das agências reguladoras resolveu retirar do projeto todas essas proibições. Não satisfeitos com isso, os deputados ainda propuseram mudar também a Lei das Estatais – claramente violando o objetivo do PL 6.621, que era o de determinar regras exclusivamente para as agências – para retirar dela os mesmos trechos. O relator, deputado Danilo Forte (PSDB-CE), deu parecer contrário à emenda, mas foi derrotado na comissão. Assim, o texto final da comissão especial mantinha a brecha para indicações políticas dentro das agências reguladoras e voltava a abrir essa porteira nas estatais. Por tramitar em caráter conclusivo, teria de passar pelo plenário da Câmara antes de voltar ao Senado, mas o deputado Fabio Trad (PSD-MS) conseguiu o apoio de outros 70 colegas e apresentou um recurso solicitando que o PL 6.621 vá a plenário.
A pressão que Trad vem recebendo para retirar o recurso – inclusive de parlamentares que o assinaram – mostra como muitos políticos valorizam o segredo e as negociatas nas sombras. Os deputados não querem nem mesmo ter de dizer publicamente se o projeto das agências reguladoras deveria ir a plenário; muito menos querem que o público saiba se são favoráveis às brechas para as indicações políticas nas agências e nas estatais.
Indicações políticas para outros cargos são um tesouro preciosíssimo para muitos deputados e senadores; para muitos deles, a possibilidade de emplacar apadrinhados é a contrapartida ao poio que dão ao governo de turno. É por isso que dispositivos como o que está na Lei das Estatais e que também estaria no PL 6.621 só não os aterrorizam mais que a possibilidade de privatização de uma empresa estatal, que retiraria de vez a possibilidade de fazer nomeações. O que os parlamentares em fim de mandato estão tramando é um verdadeiro golpe nas tentativas de moralizar a administração pública, uma vingança contra a população que não os quis mais em Brasília – e uma prova de que o eleitor tinha razão em rejeitar tais políticos.