Uma sociedade saudável precisa de uma imprensa livre, capaz de realizar seu trabalho e cumprir seu direito de informar, que por sua vez permite ao cidadão exercer o direito a ser corretamente informado. Por isso o sigilo da fonte jornalística, garantido pelo artigo 5.º, inciso XIV, da Constituição, é uma garantia que beneficia toda a sociedade, ao permitir que estes profissionais possam buscar informação e transmiti-la a seu público sem que os contatos que faz – e que inevitavelmente incluirão pessoas de todos os matizes político-ideológicos, e até mesmo acusados de crimes – sejam usados contra ele. Se não houvesse proteção ao sigilo da fonte jornalística (que não cobre apenas a relação de seus contatos, mas também o conteúdo das interações entre eles), a sociedade receberia informação pela metade.
Por isso é gravíssimo o episódio envolvendo a divulgação, com autorização judicial, de uma conversa telefônica entre o jornalista e blogueiro Reinaldo Azevedo e Andrea Neves, irmã do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG). Andrea chegou a ser presa na Operação Patmos – desdobramento da Lava Jato baseado na delação premiada de Joesley Batista, dono da JBS – e tinha sido grampeada com autorização judicial. A conversa tem críticas a uma reportagem da revista Veja, para a qual Azevedo trabalhava, e à Operação Lava Jato – o jornalista é crítico ferrenho do que considera exageros cometidos tanto por parte da força-tarefa de Curitiba e do juiz Sergio Moro quanto da Procuradoria-Geral da República e do ministro do STF Edson Fachin.
Não cabe falar em “vazamento seletivo” , e menos ainda de “Estado policial”, uma narrativa que só interessa aos críticos da Lava Jato
Não havia absolutamente nada no diálogo que interessasse à investigação. Nada que configurasse crime. E o artigo 9.º da Lei 9.296/1996, a Lei de Interceptações Telefônicas, é claro: “A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta”. Mas não foi isso o que aconteceu. De quem é o erro?
O padrão das interceptações telefônicas é o sigilo, e a decisão de levantá-lo cabe apenas ao juiz. Apontar o dedo para Fachin ficaria ainda mais fácil se considerarmos que, de acordo com o artigo 6.º da Lei de Interceptações, “cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz” – ou seja, o ministro tinha a íntegra do material. Mas as circunstâncias que envolvem o episódio tornam precipitada qualquer afirmação que envolva dolo.
Tanto a Polícia Federal, que faz as gravações, quanto a PGR alegaram, em nota, que não acrescentaram a conversa entre Andrea e Azevedo na documentação da Ação Cautelar 4.316. Mas a PGR, segundo o próprio artigo 9.º da Lei de Interceptações, poderia ter requerido ao STF a destruição das gravações irrelevantes. No entanto, ou por não ter avaliado a íntegra do material (que, segundo a PF, estava de posse da PGR), ou por uma omissão deliberada, não o fez.
E aqui chegamos à decisão de Fachin, que dias antes tinha liberado o áudio da conversa entre o presidente Michel Temer e Joesley Batista. Toda a prática da Lava Jato tem mostrado que a publicização das conversas telefônicas de réus e investigados vem atendendo ao interesse público e produzindo bons resultados. Com esse precedente, aliado ao clamor popular e ao risco de vazamentos, Fachin recebeu o conteúdo de mais de 2 mil ligações sem nenhum aviso de que haveria material irrelevante ou que violaria garantias constitucionais; por que não seguir o entendimento que norteava a Lava Jato e liberar os áudios?
Leia também: A nefasta violação do sigilo da fonte (artigo de René Dotti, publicado em 25 de maio de 2017)
Leia também: Agressão à liberdade de imprensa (editorial de 14 de outubro de 2016)
Não cabe falar em “vazamento” (pois a divulgação foi consequência de uma decisão oficial), muito menos de “vazamento seletivo” (pois o sigilo foi retirado “no atacado”), e menos ainda de “Estado policial”, uma narrativa que certamente interessa a quem gostaria de ver naufragar um trabalho tão essencial como a Lava Jato. Até agora, como não há provas de um ataque deliberado a um jornalista crítico da operação, só se pode falar de um equívoco – lamentável, gravíssimo, mas ainda assim um equívoco.
A sociedade pede, com razão, transparência e celeridade no combate à corrupção. Mas o episódio mostrou que há espaço para melhora na atuação de órgãos e autoridades da Lava Jato. Quando há risco às garantias constitucionais, toda precaução é pouca.
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