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Editorial

A vitória da esquerda no México

 | Pedro Pardo/AFP
(Foto: Pedro Pardo/AFP)

Nas eleições presidenciais mexicanas do último domingo, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador não deixou dúvidas quanto à preferência do eleitorado. Em um sistema de turno único, no qual nem sempre o vencedor tem o respaldo de parcela significativa dos eleitores, López Obrador conseguiu 53,27% dos votos. O México, assim, faz movimento diverso daquele feito por vários outros países latino-americanos no passado recente, como Argentina, Chile e Colômbia, que elegeram candidatos mais identificados com a centro-direita.

A vitória de López Obrador representou a ruptura com o que era praticamente um monopólio do Partido Revolucionário Institucional (PRI) no comando do país. Desde 1934, a legenda tinha feito todos os presidentes mexicanos, à exceção do período entre 2000 e 2012, quando Vicente Fox e Felipe Calderón foram eleitos pelo Partido da Ação Nacional (PAN). O partido de López Obrador, o Movimento pela Regeneração Nacional (Morena), foi criado em 2012 e é um dos integrantes mexicanos do Foro de São Paulo, a organização que reúne partidos de esquerda e extrema-esquerda na América Latina, o que por si só já é motivo de preocupação a respeito dos rumos que o país tomará daqui em diante, até porque o Morena também deve ter maioria absoluta nas duas casas do Congresso mexicano.

A vitória, no entanto, deve ser atribuída menos às posições políticas do eleito que aos problemas de seus oponentes. Muito do voto em López Obrador teve um caráter de protesto contra a corrupção e a violência – que mostrou as caras também durante a campanha, com o assassinato de 48 pré-candidatos ou candidatos. O esquerdista apresentou-se como alguém distante do establishment político, apesar de uma carreira longa que inclui um mandato como prefeito da Cidade do México. Mas, para combater a violência, López Obrador propõe a rejeição à “guerra às drogas” e, quando lançou sua pré-candidatura, chegou a falar em anistia para traficantes que concordassem com um programa de reabilitação.

López Obrador venceu menos por suas posições políticas que pelos problemas de seus adversários

É verdade que López Obrador já foi bem mais radical que a imagem passada hoje. Em 2006, quando perdeu pela primeira vez a eleição presidencial, por uma margem estreitíssima de votos, recusou-se a reconhecer a vitória de Calderón, estimulando o bloqueio de ruas e estradas, invasão de praças de pedágio e a interrupção de atividades de bancos estrangeiros. Meses depois, seus apoiadores o proclamaram “presidente legítimo”, com direito a cerimônia de posse, um teatrinho do qual López Obrador participou com gosto, mas que não tinha como durar muito.

O programa do presidente eleito inclui a reversão de algumas medidas implementadas pelo atual presidente, Enrique Peña Nieto, do PRI, como a participação da iniciativa privada no setor energético. Além disso, López Obrador ainda disse querer tabelamento de preços de insumos agrícolas e dobrar aposentadorias em todo o país, e o salário mínimo nas zonas de fronteira. Também é entusiasta de um certo modelo de autossuficiência que consiste em produzir no próprio país toda a comida e toda a gasolina consumidas no país. Este último ponto recorda o discurso de Cristina Kirchner, para quem a Argentina não deveria importar “nem um parafuso sequer”, e cujo resultado foi guerra comercial e desabastecimento.

Por outro lado, López Obrador tem feito questão de dizer que, sob sua gestão, não haveria nenhum choque econômico. Antigo crítico do Nafta, o acordo de livre comércio com Estados Unidos e Canadá, o presidente eleito agora promete mantê-lo – a grande ameaça ao acordo tem vindo do vizinho Donald Trump. Responsabilidade fiscal e rejeição a aumentos de impostos são outros pontos que estiveram muito presentes na boca de López Obrador.

Todos esses acenos ao mercado financeiro evocam comparações com a Carta ao Povo Brasileiro, publicada por Lula em 2002. No Brasil, todos sabemos o que a eleição de Lula representou: a instalação dos maiores esquemas de corrupção de que se tem notícia no país e a fidelidade ao tripé macroeconômico de seu antecessor apenas enquanto isso interessou, substituída por uma “nova matriz econômica” baseada no estímulo ao consumo e na gastança irresponsável que levaram à maior recessão da história do Brasil. Para o bem dos mexicanos, que López Obrador não siga a mesma trilha. Ele só conseguirá conduzir o México a um caminho de desenvolvimento se romper com seu passado de esquerda e resistir à tentação populista de um nacionalismo protecionista.

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