O primeiro-ministro Boris Johnson e os britânicos que, em 2016, votaram para que o Reino Unido saísse da União Europeia finalmente terão o seu Brexit. Nas eleições de 12 de dezembro, Johnson e o Partido Conservador conquistaram sua maior vitória desde os tempos de Margaret Thatcher, um dos ícones do partido e da história britânica. Os Tories, como são chamados, conseguiram 365 cadeiras no Parlamento – 67 a mais do que tinham até agora, 48 a mais que na eleição de 2017 e, o mais importante, 39 a mais que o necessário para formar maioria sem ter de fazer coalizões com outros partidos. E só não tiveram um resultado melhor porque, em alguns distritos, o eleitorado pró-Brexit dividiu votos entre conservadores e candidatos do Partido do Brexit, permitindo a vitória de outras legendas. Com isso, Johnson, que até pouco tempo atrás parecia na corda bamba ao enfrentar resistências internas e sofrer derrotas em seu objetivo de retirar os britânicos da UE ainda neste ano, emerge como um líder fortalecido, com todas as ferramentas na mão para cumprir seu slogan de campanha, “Get Brexit done”.
Como resposta à indignação – justificada – dos britânicos quanto ao hipercentralismo que tomou conta da administração europeia em Bruxelas, teria sido melhor que o Reino Unido permanecesse na União Europeia como uma voz forte a reclamar maior autonomia para os países-membros, recuperando o espírito que animou vários dos pais do projeto europeu, que desejavam cooperação dentro de um espírito de subsidiariedade e respeito às soberanias nacionais. No entanto, no referendo de 2016, os britânicos preferiram a ruptura pura e simples. E, uma vez manifestado esse desejo, cabia às autoridades trabalhar para que ele se tornasse realidade, o que não ocorreu em três anos de discussões e impasses. O eleitorado sentiu que seus representantes não pareciam dispostos a cumprir a vontade popular – alguns deles, movidos por um desejo genuíno de conseguir os melhores termos para o Brexit; outros efetivamente tinham a intenção de ganhar tempo para mudar o ânimo popular e reverter a decisão por meio de um novo referendo. A resposta veio nesta quinta-feira.
Boris Johnson sai forte do pleito desta quinta-feira, mas são a condução do Brexit e a recuperação da economia britânica que definirão seu lugar na longa história do país
Mais histórica que a vitória dos conservadores foi a derrota da oposição, o Partido Trabalhista, que perdeu 40 cadeiras, caindo para 203, em seu pior resultado desde 1935. Os trabalhistas foram derrotados até mesmo em distritos que mantiveram por décadas consecutivas no norte e no centro da Inglaterra. Consequência não apenas da plataforma pró-Brexit de seus adversários, mas também da radicalização do discurso do líder trabalhista, Jeremy Corbyn, um autoproclamado socialista que comandava o partido desde 2015 e não esconde a admiração por ditadores como Fidel Castro e Hugo Chávez. Na campanha de 2019, Corbyn prometeu não apenas um novo referendo sobre a ruptura com a UE, mas também um Estado agigantado.
A guinada recente dos trabalhistas para a esquerda em termos econômicos e culturais, ocorrida com o apoio de muitos jovens seduzidos pelo discurso fácil dos socialistas, ignorou a lição ensinada a eles por Thatcher, que os venceu três vezes seguidas entre 1979 e 1987 (os conservadores ainda venceriam em 1992, liderados por John Major). À época, o Partido Trabalhista também tinha posturas mais extremas, incluindo uma cláusula no estatuto que pedia a propriedade comum das fábricas; só em 1995 o texto foi alterado, como parte do movimento conhecido como “New Labour”, que trouxe o partido para a centro-esquerda e levou Tony Blair à vitória em 1997. Mas ainda é incerto se a reação à derrota de 2019 incluirá a reabilitação dos moderados. Corbyn já avisou que não estará à frente da legenda na próxima eleição, mas ainda não renunciou à liderança trabalhista, e ainda tem muitos seguidores fiéis na cúpula do partido.
O resultado torna improvável que haja novos adiamentos para o Brexit. Johnson já tem um plano para a ruptura, marcada para janeiro, mas ela será apenas o começo de uma série de acomodações, à medida que as consequências da saída britânica forem aparecendo. E, mais cedo ou mais tarde, o primeiro-ministro terá de lidar com a questão escocesa. Em um referendo de 2014, os escoceses só votaram pela permanência no Reino Unido porque receberam a promessa de que o país permaneceria na UE. Com o Brexit, a pressão por independência deve ressurgir, e os separatistas do Partido Nacional Escocês ampliaram sua presença no Parlamento para 48 cadeiras. Boris Johnson sai forte do pleito desta quinta-feira, mas são a condução do Brexit e a recuperação da economia britânica que definirão seu lugar na longa história do país.
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