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Editorial

A volta de um privilégio

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Presidente do STF, ministro Luiz Fux, e presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), articulam PEC que pode assegurar reajustes automáticos a membros da magistratura e do Ministério Público (Foto: Nelson Jr./SCO/STF)

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Quatro anos depois do fim da novela do auxílio-moradia para a magistratura – cujo desfecho, diga-se de passagem, não foi dos mais satisfatórios –, o Congresso Nacional prepara o retorno de mais um penduricalho imoral: com as bênçãos do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), uma PEC apresentada em 2013 pode ir a votação agora, restaurando o “quinquênio” para todos os magistrados, além dos procuradores e promotores do Ministério Público. Trata-se de um adicional equivalente a 5% do salário básico, incorporado ao contracheque a cada cinco anos de carreira; o benefício já chegou a existir no passado, mas foi eliminado em 1999 para os servidores do Poder Executivo e em 2005 para os juízes.

A redação da PEC 63 tem os chamados “requintes de crueldade” para com os cofres públicos. O quinquênio será pago independentemente de qualquer outro critério – por mais que o Judiciário tenha orçamento próprio, todo o dinheiro público vem do mesmo lugar, o bolso do contribuinte; se eventualmente não houver dinheiro para o quinquênio, portanto, que se corte de algum outro lugar. Além disso, o benefício não estará sujeito ao teto previsto no artigo 31, XI da Constituição, que proíbe remunerações superiores ao salário de ministro do Supremo – apesar de o parágrafo 11 do mesmo artigo abrir uma exceção para que verbas indenizatórias não sejam consideradas neste limite, é óbvio que a natureza do quinquênio não é a de indenizar o juiz ou membro do MP por coisa alguma, mas sim de incrementar seus vencimentos. Por fim, seu efeito será retroativo, e a contagem do tempo considerará o “efetivo exercício em atividade jurídica”, definido como “o exercício na magistratura, no Ministério Público, em cargos públicos de carreiras jurídicas e na advocacia” – ou seja, não incluirá apenas o tempo na carreira em questão, seja na magistratura para os juízes, seja no MP para procuradores e promotores.

Não apenas não haverá uma reforma administrativa que faça o necessário enxugamento dos gastos com pessoal, como também quem já é regiamente pago poderá vir a receber ainda mais simplesmente por se manter na carreira

O retorno da PEC 63, que chegou a ser arquivada no fim de 2018, foi um pedido do presidente do Supremo, Luiz Fux, que por sua vez ouviu solicitações semelhantes dos tribunais superiores. Fux havia tido um papel importante nas discussões sobre o auxílio-moradia, pois fora o relator das ações sobre o benefício no Supremo; em 2014 Fux concedeu uma liminar ordenando seu pagamento a todos os juízes do país, de forma claramente inconstitucional, e evitou o quanto pôde um julgamento em plenário que tendia a derrubar o auxílio. Só quando o então presidente Michel Temer ofereceu reajuste de 16,38% aos membros do Judiciário, Fux retirou a liminar que ele mesmo havia concedido e encerrou a controvérsia, deixando claro quais eram os reais interesses da magistratura.

Mais uma vez, assim como ocorrera com o auxílio-moradia e, mais recentemente, com toda a mobilização de servidores da elite do funcionalismo público, estamos diante de um caso severo de insensibilidade e descolamento da realidade nacional. Para defender a PEC, Pacheco chegou a falar, em um programa de televisão, em “compensar as carreiras em relação às privações que elas têm, de não ter outra fonte de remuneração, não poder exercer qualquer outro tipo de atividade”, como se esses profissionais fossem coagidos a fazer o que fazem; o termo “privações”, em específico, traz à memória o desembargador que defendeu o auxílio-moradia porque o juiz “tem de comprar terno, não dá para ir toda hora a Miami comprar terno”. Para quem está no topo do topo da pirâmide socioeconômica nacional, com estabilidade garantida, falar em “privações” é um verdadeiro acinte para o brasileiro médio.

Ou seja, não apenas não haverá uma reforma administrativa que faça o necessário enxugamento dos gastos com pessoal, como também quem já é regiamente pago poderá vir a receber ainda mais simplesmente por se manter na carreira. Tudo com uma ampla rede de apoio que vai da esquerda à base governista, todos bastante empenhados em ampliar o trem da alegria com emendas que preveem o quinquênio para várias outras categorias – o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) chegou a propor o pagamento “aos demais servidores efetivos e comissionados de todas as esferas dos poderes”. Tudo, claro, em nome da “isonomia”.

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