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Editorial

Abandono olímpico

 | Yasuyoshi Chiba/AFP
(Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP)

“Legado” é a palavra da moda quando se fala de megaeventos esportivos como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. Trata-se de deixar um impacto positivo para as cidades que recebem as competições, principalmente no que diz respeito à infraestrutura. No caso dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro, realizados há cerca de seis meses, a cidade contou benefícios como a abertura e ampliação de linhas de BRT e a revitalização da área portuária com o Boulevard Olímpico, onde a pira olímpica foi montada após a cerimônia de abertura.

Mas outros legados importantes para o Rio de Janeiro ainda não viram a luz do dia. O projeto original da Arena do Futuro, que recebeu as partidas de handebol nos Jogos Olímpicos, previa que ela fosse desmontada para se transformar em quatro escolas. A estrutura não saiu do lugar porque a licitação não foi feita. O parque de canoagem slalom no bairro de Deodoro deveria se tornar uma piscina gigante para o lazer dos moradores, mas está fechado. E nem há muito o que dizer sobre a não realizada despoluição da Baía de Guanabara, que talvez nunca saia do papel.

O descaso com as instalações olímpicas ajuda a minar as esperanças de ver um país que valorize os mais variados esportes

Especificamente no caso do Rio-2016, um legado especial estava em despertar no país o interesse por outros esportes, em uma nação que ainda sofre da monocultura do futebol. Instalações olímpicas poderiam se transformar em centros de alto rendimento ou locais para o primeiro contato de muitos brasileiros com várias modalidades. Assim como a Arena do Futuro, o Estádio Aquático Olímpico também foi criado para ser “desmontável e remontável”, levando duas piscinas olímpicas a locais que se beneficiariam com a instalação – em novembro, o Ministério do Esporte definiu que Salvador e Mauaus ficarão com as piscinas. Mas, enquanto isso não ocorre, o lugar onde Michael Phelps brilhou funciona como criadouro de mosquitos.

No caso das instalações permanentes do Parque Olímpico, ainda não existe nenhum plano de uso. A prefeitura do Rio não achou parceiro privado para a gestão da área, e a empurrou para o Ministério do Esporte. O Comitê Olímpico do Brasil (COB) afirma que os ginásios poderiam se tornar centros de excelência para treinamentos, mas não há projeto definido e a expectativa mais otimista é de que apenas no segundo semestre essas instalações sejam utilizadas.

Nem mesmo o futebol escapou, como mostra a deterioração do Maracanã. Graças a uma briga entre a organização dos Jogos e a concessionária que administra o estádio, o antigo orgulho do esporte brasileiro está agora abandonado, sujeito a roubos que não pouparam nem o busto do jornalista Mário Filho, que dá nome ao estádio. Aqui, Rio-2016 e a Copa de 2014 se encontram, já que alguns dos estádios “padrão Fifa” construídos ou reformados para a Copa não têm quem neles jogue ou se apresente.

Apesar dos problemas de organização, como os que marcaram o primeiro fim de semana de competições, os Jogos Olímpicos do Rio foram memoráveis do ponto de vista esportivo, principalmente para o Brasil, que conquistou medalhas em esportes nos quais não tinha tradição, apresentando novos ídolos e histórias edificantes, como a do canoísta Isaquias Queiroz, da judoca Rafaela Silva e dos atletas Ygor Coelho e Lohaynny Vicente, do badminton, egressos de um projeto social em uma favela carioca. O entusiasmo que essas conquistas possam ter despertado em crianças, adolescentes e jovens morre se não for alimentado, e o descaso com as instalações olímpicas ajuda a minar as esperanças de ver um país que valorize os mais variados esportes – não para que um dia sejamos potência olímpica, mas como algo muito mais básico e importante: uma ferramenta de cidadania.

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