Ontem, neste espaço, demonstramos por que a nova norma técnica do Ministério da Saúde sobre aborto em caso de gestação resultante de estupro, dentre todas as normativas já emitidas pelo governo sobre o tema desde o fim dos anos 90, é a que melhor reflete a legislação vigente. Mesmo assim (ou, talvez, por causa disso), ela está sob ataque do lobby pró-aborto, que buscou o Supremo e pretende derrubar o texto. Se não conseguirem revogá-lo totalmente, no entanto, as entidades que protocolaram a ADPF 989 no STF querem que o ministro Edson Fachin ao menos determine que não pode haver nenhuma restrição ao aborto depois das 22 semanas de gestação, já que a norma técnica recomenda que, nesses casos, seja feita a antecipação do parto, e não o aborto. Trata-se, no entanto, de um pleito que desafia completamente o bom senso.
O Código Penal, reconheça-se, não estabelece nenhum limite temporal para os casos previstos no artigo 128 – estupro e risco de vida para a mãe –, em que o aborto não é punido; esta foi uma das alegações da ala abortista do Ministério Público para que fosse realizada a interrupção da gravidez no tristemente célebre caso envolvendo a pré-adolescente de Santa Catarina, ocorrido semanas atrás. No entanto, o marco de 22 semanas não tem nada de arbitrário, e nem mesmo é novidade trazida pelo atual governo.
É simplesmente aterrador que haja quem pretenda garantir como um “direito” a possibilidade de se eliminar um ser humano indefeso e inocente quando seu estado de desenvolvimento já lhe dá chance de sobreviver fora do ventre materno
Este limiar faz parte das definições de “abortamento” da Organização Mundial de Saúde por uma razão bastante simples: a partir das 22 semanas, são razoáveis as chances de sobrevivência extrauterina de um bebê, desde que ele receba toda a atenção médica necessária, como o emprego de uma UTI neonatal, para que ele possa completar o desenvolvimento que, de outra maneira, seria concluído no ventre da mãe. É por isso que “não há indicação para interrupção da gravidez após 22 semanas de idade gestacional. A mulher deve ser informada da impossibilidade de atender a solicitação do abortamento e aconselhada ao acompanhamento pré-natal especializado, facilitando-se o acesso aos procedimentos de adoção, se assim o desejar”.
E pedimos a atenção do leitor à citação acima, pois ela não consta da mais recente norma técnica do Ministério da Saúde, mas da norma técnica “Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes”, de 2012, ou seja, do governo petista de Dilma Rousseff. Ressalte-se que este documento parte da premissa – a nosso ver errônea, por motivos já exaustivamente explicados neste espaço – de que existem no ordenamento jurídico brasileiro possibilidades de “aborto legal”. Em outras palavras, mesmo um governo que defende a licitude do aborto em caso de gravidez resultante de estupro reconhece que, a partir de 22 semanas de gestação, a realização do aborto já não é mais recomendável. E, por motivos que vão da literatura médica ao mero respeito pela vida humana, mesmo quem é favorável à legalização do aborto em outros casos, ou mesmo do aborto “sob demanda”, por quaisquer motivos, há de concordar que esta recomendação faz todo o sentido.
Diante de uma gestação que já passou de 22 semanas, a escolha que se coloca é bem simples: encerrar a gravidez por meio da antecipação do parto, garantindo à criança cuidados médicos que lhe deem não uma certeza absoluta, mas ao menos uma chance razoável de sobrevivência, com a posterior entrega para adoção se for o desejo da mãe; ou encerrar a gravidez por meio de um procedimento médico que mate a criança dentro do ventre da mãe, forçando-se depois a expulsão de um ser humano morto. Ora, a segunda escolha pode muito bem ser descrita como barbárie pura e simples, que nega a um bebê indefeso e inocente a mera possibilidade de sobreviver, sem motivo algum que o justifique. Trata-se do desejo de matar na sua forma mais crua.
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E esta barbárie, ainda por cima, traz riscos adicionais à mãe, que não existiriam – ou ao menos seriam muito menores – no caso de se antecipar o parto, retirando-se o bebê vivo. A médica obstetra Patti Giebink, que trabalhou em clínicas de aborto e se arrependeu, relata que o procedimento de matar o feto e forçar sua expulsão leva ao menos dois dias e pode ter consequências como laceração cervical, infecção, hemorragia, ruptura uterina e até a morte da gestante. Além disso, o processo pode deixar sequelas que dificultem gestações futuras ou aumentem o risco de parto prematuro. Quanto mais avançada a gestação, maiores os riscos para a mãe.
Levando-se tudo isso em conta, é simplesmente aterrador que haja quem pretenda garantir como um “direito” a possibilidade de se eliminar um ser humano indefeso e inocente quando seu estado de desenvolvimento já lhe dá chance de sobreviver fora do ventre materno. Nega-se o direito à vida da criança e coloca-se em risco o direito à vida da mãe, mesmo havendo uma alternativa muito mais simples e segura. O que o lobby pró-aborto pleiteia no Supremo é exatamente o oposto do objetivo que uma sociedade saudável deve perseguir: defender e salvar as duas vidas em jogo, garantindo-lhes respeito e dignidade.