Réplica em tamanho real de feto com 12 semanas de gestação.| Foto: Bill Davenport/Free Images
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Com o Poder Judiciário trabalhando contra a vida do nascituro – o recente arquivamento do caso que pedia o direito ao aborto para gestantes com zika foi motivado não por convicções pró-vida dos ministros, mas por questões processuais – e o Poder Legislativo inerte em temas morais por opção dos líderes das duas casas, vem do Poder Executivo uma boa notícia. A Portaria 2.282 do Ministério da Saúde alterou algumas regras que tratam da realização de abortos em caso de estupro, uma das circunstâncias em que a lei não prevê punição para a gestante e o médico que realizam a interrupção da gravidez.

A grande novidade do texto é a obrigatoriedade de o médico ou profissional de saúde, diante de uma solicitação de aborto no caso de gravidez resultante de violência sexual, avisar a polícia caso haja indícios ou confirmação do estupro. A norma é uma adequação das regras do Ministério da Saúde à Lei 13.718/18, segundo a qual qualquer crime contra a liberdade sexual leva a ação penal pública incondicionada, independentemente da idade da vítima, e à Lei 13.931/19, que já estabelecia a notificação compulsória nos serviços de saúde públicos e privados. A ação penal pública incondicionada significa que a abertura de inquérito não depende mais da formalização de queixa por parte da vítima, o que tem um duplo efeito benéfico: evita o constrangimento da vítima, que antes precisava se expor para mover a ação; e combate a impunidade decorrente de situações de estupro em que a mulher agredida, por motivos os mais diversos e que incluem até mesmo a coação quando o violador é próximo da vítima, não prestava queixa. A Portaria 2.282 ainda exige que os fragmentos do embrião ou feto abortado sejam preservados e entregues à polícia, como evidência que permitirá a identificação do agressor por meio de exames de DNA.

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A mudança realizada pelo Ministério da Saúde foi um ato corajoso; esperamos que seja o primeiro de muitos

Mas não se trata apenas de apertar o cerco contra os estupradores, especialmente aqueles que estão dentro das famílias ou do círculo de amigos das vítimas e usam de poder, chantagem e acobertamento para não acabarem denunciados pelo crime bárbaro que cometem. A Portaria 2.282 também fecha uma brecha perigosíssima que havia sido aberta no governo Lula: em 2005, uma nova versão de uma norma técnica editada em 1998 (no governo de Fernando Henrique Cardoso, portanto, quando José Serra era ministro da Saúde) dispensou a exigência de boletim de ocorrência para a realização do aborto em caso de gravidez decorrente de estupro. Bastava a declaração da gestante, o que, combinado com a ausência de inquérito caso não houvesse queixa-crime, permitia a uma mulher realizar um aborto na rede pública apenas alegando o estupro, mesmo que ela não tivesse sofrido violência alguma. Por mais que a mulher tivesse de assinar termos afirmando estar consciente das consequências de uma comunicação falsa de crime, no fim das contas seria impossível comprovar caso ela houvesse mentido.

A nova regra também incrementa a informação à gestante, pois ela pode, se assim desejar, visualizar o feto ou embrião por meio de ultrassonografia. Além disso, os documentos que ela terá de assinar incluem uma descrição bem abrangente dos riscos à saúde decorrentes da realização do aborto, por meio de uma relação elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – entidade, aliás, cuja orientação pró-aborto é inegável. Eis, aqui, outro mérito do texto, pois a propaganda abortista empenha-se ao máximo em esconder o que, no fim das contas, é o aborto. Não há nada de trivial nele; não se elimina um ser humano indefeso e inocente como se retira uma cárie. Há riscos, nada desprezíveis, e todo aborto termina com pelo menos uma pessoa morta, ainda que se tente descaracterizá-la como “amontoado de células”.

É certo que ainda estamos longe do objetivo de proteger integralmente a vida humana nascente no país: por enquanto, abortos continuarão sendo realizados na rede pública, bancados pelo contribuinte; médicos pró-vida, diante de um pedido para fazer um aborto, continuarão a ter sua consciência violada ao serem obrigados a encontrar colegas dispostos a realizar o procedimento; até a expressão “aborto legal”, uma falsidade, continuará a ser usada livremente. Entendemos perfeitamente que, diante do texto da Portaria 2.282, haja pessoas comprometidas com a vida que esperariam um texto que trouxesse mais alterações – afinal, são vidas humanas que estão em jogo, e que precisam ser protegidas.

Mas, infelizmente, não é possível destruir 15 anos de abortismo incrustado no Ministério da Saúde com uma única canetada. As reações furiosas – inclusive no Congresso, onde já foi protocolado um projeto de decreto legislativo que anula a portaria – que esta pequena mudança já despertou no seu primeiro dia em vigor mostram como a Portaria 2.282 foi um ato corajoso. Ele só será o primeiro de muitos se os brasileiros defensores da vida humana entenderem a necessidade de apoiar e prestigiar aqueles poucos que, dentro da estrutura estatal, tomaram para si a responsabilidade por essa luta, escolhendo cuidadosamente cada batalha a seu tempo.

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