Não será desta vez que o aborto eugênico será ampliado no Brasil. Em julgamento virtual encerrado no fim da semana passada, o Supremo Tribunal Federal derrubou por unanimidade a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.581, ajuizada pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) juntamente com uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) sobre o mesmo tema. As ações pleiteavam uma série de medidas para gestantes infectadas com o zika vírus, incluindo a possibilidade de fazer um aborto – ainda que não houvesse diagnóstico de microcefalia na criança, o que tornava o pedido ainda mais perverso, por se tratar de um “na dúvida, mate-se”. Apesar de a vida ter felizmente saído vencedora neste caso, não há nenhum motivo para aliviar a mobilização quando o assunto é o ativismo judicial abortista do STF.
As ações foram derrotadas apenas por questões meramente processuais. Nem foi necessário entrar no mérito dos pedidos feitos pela Anadep porque havia impedimentos prévios ao julgamento da ação. Quanto à ADPF, que alegava omissão do poder público ao não permitir que se realizasse o aborto nestes casos, a relatora Cármen Lúcia a descartou por um motivo muito simples: a associação não teria legitimidade para propor a ação naquele caso, pois a ministra não enxergou interesse jurídico da entidade nas normas que a ação questionava. E, quanto à ADI, Cármen Lúcia a julgou “prejudicada” pelo que se chama de “perda do objeto”. Isso porque a ação da Anadep questionava trechos da Lei 13.301/2016, especificamente a concessão do Benefício da Prestação Continuada por três meses para crianças com microcefalia decorrente do zika. No entanto, a Lei 13.985/20, resultado da aprovação pelo Congresso da Medida Provisória 894, assinada por Jair Bolsonaro em setembro de 2019, passou a prever uma pensão vitalícia de um salário mínimo às crianças nascidas com quaisquer sequelas decorrentes da infecção da mãe pelo zika, e não apenas a microcefalia.
O 11 a zero na ADI 5.581 nem de longe significa que os ministros caíram em si e se tornaram defensores da vida
O único ministro a seguir a relatora, mas com ressalvas, foi Luís Roberto Barroso, que há muito milita pelo aborto e defende abertamente o ativismo judicial neste caso. O ministro afirmou que considerava a Anadep como parte legítima para propor a ADPF, mas dedicou boa parte do seu voto à defesa da legalização do aborto, dizendo que, ao extinguir as ações, o Supremo estava “adiando a discussão” do tema, como se o Judiciário devesse ser o lócus deste debate, em vez do Poder Legislativo. O palavreado de Barroso ajuda a desmentir uma fábula midiática que era colocada em circulação todas as vezes que a ADI 5.581 vinha à tona: a de que a ação não se resumia ao aborto, que este era apenas um entre vários pedidos, que se tratava de criar todo um arcabouço para garantir o bem-estar da mãe e das crianças (as que tivessem a sorte de escapar do aborto, presume-se). A indignação de Barroso demonstra que o aborto era, sim, a “joia da coroa” no pedido feito pela Anadep.
E é por isso que a comemoração no caso da ADI 5.581 não pode nos fazer perder de vista o fato de que o nascituro, o mais indefeso e inocente dos seres humanos, continua seriamente ameaçado no Supremo. Este 11 a zero nem de longe significa que os ministros caíram em si e se tornaram defensores da vida; como acabamos de explicar, apenas questões processuais impediram que a ação prosperasse – triste ironia, quando se considera (corretamente) que o rito processual deve ser respeitado, mas o direito à vida dos não nascidos, esse pode ser relativizado à vontade. Dois oito ministros que, em 2012, aprovaram o aborto para fetos anencéfalos, seis continuam na corte: Celso de Mello, Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia – e Dias Toffoli só não votou porque havia participado do processo quando estava na Advocacia-Geral da União, declarando-se favorável ao aborto neste caso. Acrescentem-se à lista Barroso e Edson Fachin, participantes de um vergonhoso episódio ocorrido em novembro de 2016, quando Barroso sequestrou o julgamento de um habeas corpus na Primeira Turma para declarar inconstitucional o trecho do Código Penal que criminaliza o aborto, sendo seguido por Fachin e Rosa Weber.
Rosa Weber, por sua vez, é relatora da ADPF 442, a mais ambiciosa tentativa de legalizar o aborto no Brasil pela via judicial. Na escalação das audiências públicas, ela mostrou de que lado está ao propor um debate desigual, com ampla maioria de defensores do aborto, enquanto os pró-vida eram majoritariamente representados por entidades religiosas, na tentativa de desqualificar o argumento em defesa da criança como sendo de cunho meramente religioso, e não biológico ou ético – falácia, aliás, também reproduzida por Barroso em seu voto na ADI 5.581. É na ADPF 442, que ainda não está na pauta do plenário, que o abortismo aposta todas as suas fichas.
O último motivo que o Supremo teria para usurpar funções de legislador no caso do aborto é a suposta omissão do Legislativo federal. O tema vem sendo discutido pelo Congresso de forma quase ininterrupta há décadas, dados os inúmeros projetos que tentam ou legalizar a prática ou fortalecer a defesa da vida desde a concepção, e que estão em diversas fases de tramitação ou já foram arquivados – o que não deixa de ser uma forma de os parlamentares também se pronunciarem sobre o tema. “Omissão”, assim, não passa de uma palavra-coringa para designar o fato de que o Congresso simplesmente não está decidindo da forma como alguns ministros do Supremo gostariam, e que por isso eles se julgam no direito de tomar o assunto nas próprias mãos. Isso torna ainda mais importantes as duas escolhas que Jair Bolsonaro fará para o STF durante este mandato: juristas avessos ao ativismo judicial e comprometidos com o respeito à vida do nascituro aliviarão a pressão do abortismo no Judiciário. Enquanto isso, os brasileiros não podem baixar a guarda por um minuto sequer.
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