Quando se trata de colocar o Judiciário para colaborar com o abortismo, o ministro Alexandre de Moraes nem de longe tem a loquacidade de colegas de STF como Luís Roberto Barroso, sempre disposto a defender um suposto direito de eliminar nascituros quando está diante de um microfone. Mas decisões recentes de Moraes o colocam na linha de frente do ativismo judicial que favorece a realização de abortos, muito mais que qualquer outro ministro do Supremo. Suas interferências recentes na atuação do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) são prova disso.
Em maio deste ano, Moraes já havia atendido um pedido do PSol e ordenado liminarmente a suspensão de uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia o uso do bárbaro método de assistolia fetal para o aborto tardio, feito em bebês que já têm condições de sobrevivência fora do útero – a assistolia fetal, recorde-se, consiste em injetar no coração do feto uma solução que provocará sua morte por parada cardíaca, forçando-se depois a expulsão do bebê morto. A resolução nada tinha de ilegal ou inconstitucional, pelo contrário: estava amparada na Constituição, na lei infraconstitucional, em tratados internacionais de direitos humanos e na melhor literatura médica, que considera o aborto por assistolia fetal mais arriscado para a mãe que a antecipação do parto, preservando a vida do bebê, que poderia depois ser encaminhado para adoção. A decisão, ainda por cima, violava frontalmente a autonomia do CFM, defendida em jurisprudência do próprio Supremo.
Moraes fará do estado de São Paulo um “porto seguro” para qualquer mulher interessada em abortar, bastando alegar uma falsa violência sexual, e que encontre um médico disposto a fazê-lo
Dentro desta mesma ação, que ainda não foi julgada em plenário, Moraes proibiu, no último dia 3, que o governo de São Paulo e a prefeitura da capital paulista entregassem ao Cremesp prontuários médicos de pacientes que haviam feito abortos. Uma semana depois, o ministro estendeu a proibição a todos os hospitais paulistas, após a notícia de que um médico do Cremesp havia visitado dois hospitais universitários em Botucatu (SP) no mesmo dia em que Moraes havia ordenado a primeira das duas proibições. Se com a decisão de maio o ministro havia interferido de forma drástica em uma das atribuições de um conselho de medicina, a de estabelecer normativas que guiem o exercício da profissão, as novas decisões inviabilizam outra prerrogativa de tais entidades: a de fiscalizar e garantir que a medicina esteja sendo exercida de acordo com a lei e as normas do CFM e dos conselhos regionais.
Muito antes da controvérsia sobre a assistolia fetal, o Cremesp já vinha realizando ações de fiscalização para garantir que os hospitais estejam fazendo abortos apenas nos casos em que a legislação brasileira não prevê punição aos envolvidos: gestação em caso de estupro, risco de vida para a mãe (de acordo com o Código Penal) e anencefalia do feto (após decisão de 2012 do STF). Normativas do Ministério da Saúde sob o governo Lula têm desfeito um trabalho meritório realizado no mandato anterior, reabrindo as portas para que abortos sob demanda possam ser feitos sob a falsa alegação de violência sexual, o tipo de situação que o Cremesp quer evitar – em abril, o conselho suspendera duas médicas de um hospital paulistano justamente por esse motivo.
O Código de Ética Médica, em seu artigo 90, proíbe ao médico “deixar de fornecer cópia do prontuário médico de seu paciente quando de sua requisição pelos Conselhos Regionais de Medicina, uma regra que existe justamente para permitir a fiscalização do correto exercício da medicina. Mas, com as decisões de Moraes, o Cremesp já não pode nem mesmo averiguar se os hospitais estão realizando apenas os abortos nos casos em que a lei não prevê punição – o que por si só é um absurdo, já que se trata de crime mesmo nesses casos, embora admitamos que na prática esses casos sejam encarados (equivocadamente) como uma excludente de ilicitude. A consequência não é difícil de adivinhar: Moraes fará do estado de São Paulo um “porto seguro” para qualquer mulher interessada em abortar, bastando alegar uma falsa violência sexual, e que encontre um médico disposto a fazê-lo. Mas não apenas isso: a tese usada pelo Ministério Público Federal para acionar o Cremesp na Justiça paulista, e que foi usada por Moraes para embasar suas decisões, permitirá a impunidade de médicos por vários outros crimes, e não apenas pela realização de abortos fora das circunstâncias em que a lei não prevê pena.
Ainda que Moraes tenha tomado suas decisões recentes movido por uma genuína preocupação com a privacidade das pacientes, a consequência prática das suas últimas liminares é colocar o Supremo no mesmo caminho do governo Lula: o da promoção sorrateira do aborto. Sem encarar de frente a questão da legalização, abrem-se brechas para que ele seja feito de forma bastante ampla, dificultando cada vez mais a fiscalização ou a punição. Novamente, o mais indefeso e inocente dos seres humanos, a criança por nascer, fica em último lugar graças às ações daqueles que têm por obrigação zelar pela proteção de todos os direitos constitucionais, a começar pelo direito à vida.