O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou o pedido dos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) para que a corte obrigasse o presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) a marcar uma data para a sabatina de André Mendonça, escolhido por Jair Bolsonaro para ocupar a cadeira vaga após a aposentadoria de Marco Aurélio Mello. Lewandowski alegou que o Judiciário não pode interferir em questão interna corporis do Senado, já que não existe, nem na legislação nem no regimento da casa, alguma regra que imponha prazos para o agendamento de sabatinas.
Ao contrário de tantas outras ocasiões em que o Supremo interferiu indevidamente nas competências dos outros dois poderes, desta vez Lewandowski acertou. Apesar de comparações com outra decisão, a que obrigou a instalação da CPI da Covid, trata-se de situações bem diferentes. No caso da CPI, a Constituição é bem clara ao afirmar, no artigo 58, que, se os requisitos estiverem cumpridos, a comissão tem de ser instalada. Rodrigo Pacheco (DEM-MG), portanto, estava agindo em desacordo com a Carta Magna ao resistir à instalação da CPI, pois as condições estavam presentes, o que legitimou a intervenção do Supremo. Já no caso da sabatina de Mendonça, tudo o que a lei e o regimento afirmam é que cabe ao presidente da CCJ agendar sua realização. É assunto, portanto, que tem de ser resolvido internamente entre os senadores, sem recorrer ao Supremo para resolver divergências políticas, um comportamento que o presidente da corte, Luiz Fux, criticou em sua posse, mas que o próprio STF já incentivou quando aceitou julgar outras ações.
Não há nenhum motivo razoável para que o presidente da CCJ continue a embaçar o pleno funcionamento da principal corte da República, privando-a de um integrante
No entanto, Alcolumbre pode não estar violando a lei, mas isso não significa que esteja agindo corretamente. Não há nenhum motivo razoável para que o presidente da CCJ continue a embaçar o pleno funcionamento da principal corte da República, privando-a de um integrante, com consequente prejuízo a julgamentos, e deixando parados todos os processos que eram de relatoria de Marco Aurélio ou que aguardavam um voto seu. Reagindo a críticas, inclusive do presidente Bolsonaro, Alcolumbre alegou haver na CCJ cerca de 1,7 mil matérias e que a prioridade deveria ser a “retomada do crescimento, a geração de empregos e o encontro de soluções para a alta dos preços que corroem o rendimento dos brasileiros”. Deveríamos concluir, então, que no fim de agosto, quando o procurador-geral da República Augusto Aras foi sabatinado por decisão de Alcolumbre, a pauta da CCJ estava limpa e o Brasil não convivia com inflação, desemprego e estagnação? Devemos, também, concluir que recompor a instância máxima do Judiciário brasileiro é assunto de pouca importância?
A argumentação do senador não para em pé. A essa altura, é evidente que o único motivo para a sabatina ainda não ter ocorrido, três meses após a indicação presidencial, é o puro capricho, o interesse pessoal de Alcolumbre, de seu grupo político e, talvez, de algum aliado seu que tenha sido preterido na disputa pela cadeira e ainda tenha esperanças de ser escolhido caso Bolsonaro desista de Mendonça. Estamos, aqui, diante do mau uso da prerrogativa de definir pautas, seja em comissões, seja no plenário das casas legislativas. Os autores dos regimentos e das leis que regem o funcionamento dos órgãos legislativos certamente não pretendiam transformar presidentes em pequenos déspotas capazes de empacar temas importantes para o país por mera conveniência pessoal, mas Alcolumbre mostra claramente como é possível que isso ocorra.
Não resta outro caminho a não ser a pressão da opinião pública e dos próprios senadores, muitos deles – incluindo parlamentares que não apoiam o governo federal – bastante insatisfeitos com a postura do presidente da CCJ. Não será tarefa simples, pois nada impede Alcolumbre de seguir adiando indefinidamente a sabatina – segundo aliados do senador ouvidos pela CNN Brasil, ele teria a intenção de segurar a nomeação até 2023, citando o caso de Merrick Garland, nos Estados Unidos, que teve sua sabatina no Senado americano adiada pelos republicanos até que Barack Obama deixasse a Casa Branca. Comparação esdrúxula, já que Garland foi nomeado para a Suprema Corte no último ano do segundo mandato de Obama (e mesmo assim não havia motivo razoável para adiar o processo de escolha), enquanto Mendonça o foi na metade do penúltimo ano deste mandato de Bolsonaro, mas que mostra até onde Alcolumbre estaria disposto a ir. Tamanho acinte terá de ser respondido pelos senadores com as ferramentas que tiverem à disposição – as possibilidades vão da obstrução a uma mudança no regimento do Senado para que sabatinas ocorram dentro um prazo definido – para que finalmente Mendonça possa ser aprovado ou rejeitado, encerrando um impasse daninho para o país.
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