Faltando pouquíssimos dias para o prazo dentro do qual mudanças na lei eleitoral deveriam ser aprovadas para que pudessem valer já em 2018, deputados e senadores pisaram no acelerador e deixaram de lado algumas divergências para aprovar a reforma político-eleitoral, que alia mudanças positivas e alguns disparates agrupados em propostas de emenda constitucional e projetos de lei que dependem de sanção presidencial.
Na tarde de quarta-feira, por exemplo, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional 97/2017, oriunda da PEC 282/16. Ela institui a cláusula de desempenho, também conhecida como cláusula de barreira, que exige porcentuais mínimos de votação para que uma legenda tenha direito a tempo de propaganda política gratuita no rádio e televisão e acesso a recursos do Fundo Partidário. Trata-se de uma mudança positiva; o ideal seria que partidos políticos se bancassem apenas com recursos próprios, doados por aqueles que acreditam em seu ideário, mas, já que há verba pública em jogo, que pelo menos ela seja distribuída apenas entre os partidos que se mostram representativos de parte significativa da população.
A cláusula de barreira e a proibição de coligações em eleições proporcionais são novidades bem-vindas
A cláusula de barreira começa a valer já em 2018, mas ficou para 2020 a proibição de coligações em eleições proporcionais, outra novidade bem-vinda ao garantir que o eleitor, quando vota em determinado candidato, ajude apenas a elegê-lo ou a companheiros de chapa dentro do mesmo partido. Se isso não garante a coesão ideológica total – pois há legendas que são verdadeiros “balaios de gatos”, e outras nas quais há liberdade de opinião sobre certos temas –, impedirá que coligações de conveniência, sem nenhum perfil ideológico, façam o voto de um eleitor levar ao Legislativo pessoas de cujas ideias ele discorda visceralmente.
Se por um lado a aprovação da cláusula de barreira e do fim das coligações, ainda que esta última só entre em vigor em 2020, é positiva, por outro a Câmara deu um espetáculo de desfaçatez na noite de quarta-feira, quando aprovou projeto de lei que cria o fundo bilionário de financiamento de campanhas eleitorais. Quem assistiu à sessão teve de ouvir disparates como a veemente defesa do financiamento exclusivamente público de campanha por parte do líder do PT, Carlos Zarattini, que citou nominalmente a ex-candidata à Presidência Marina Silva (que chegou a incomodar Dilma Rousseff nas pesquisas de opinião em 2014) e o prefeito de São Paulo, João Doria, que impôs ao PT uma derrota humilhante na eleição de 2016. Se o financiamento fosse público, com limitação de gastos, alegou, aquela não receberia dinheiro do Banco Itaú, e este não colocaria recursos próprios na campanha. Logo se vê o que motiva o partido que, por vias tortas, implantou uma espécie de “financiamento público” saqueando estatais para bancar seu projeto de poder.
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À parte arroubos como os de Zarattini, os defensores da proposta, independentemente de ideologia, se uniram na intenção de se esconder atrás da votação simbólica, tendo rejeitado um requerimento para que a votação fosse nominal. Assim, os deputados não deixaram que o eleitor brasileiro conhecesse a posição de cada um. Restaria apenas a possibilidade de repudiar, nas urnas, os partidos cujos líderes foram à tribuna apoiar o uso do dinheiro do contribuinte em proveito eleitoral próprio. Isso se um descuido não tivesse provocado um indesejado momento de transparência: um destaque proposto pelo PHS ao texto-base buscava excluir do projeto a criação do fundo eleitoral, e a votação deste destaque foi nominal. Só isso permitiu que o país conhecesse os nomes de 223 deputados favoráveis ao uso de mais verba pública em campanhas políticas.
Em um país no qual falta dinheiro para prover serviços básicos de qualidade à população, a destinação de mais recursos (retirados de emendas parlamentares, ainda por cima) a campanhas eleitorais é um acinte que gerou reação popular e da sociedade civil, por meio de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil, mas que não parece preocupar o relator do projeto de lei na Câmara. Depois da aprovação, o petista Vicente Candido chegou a dizer que o fundo “é muito para quem vai pagar, que é o povo brasileiro, e é pouco para quem vai receber, para o sistema atual”. É preciso muita insensibilidade para admitir que a população terá de arcar com o sacrifício e, ao mesmo tempo, reclamar que esse sacrifício não bastará para aplacar a sede de dinheiro dos candidatos.