Nem a proximidade das festas de fim de ano parou os negociadores da União Europeia e do Reino Unido, que finalmente anunciaram, na tarde de 24 de dezembro, um acordo para finalizar o Brexit, o processo de saída dos britânicos do bloco europeu. A insistência tinha muita razão de ser: se até a virada do ano não houvesse nenhum entendimento, haveria o chamado no-deal Brexit, com prejuízos para as duas partes no campo comercial. Um acordo fechado sob pressão de um prazo inadiável pode ter, ainda, muitas arestas a aparar, mas é melhor que acordo nenhum; se isso servirá para os defensores mais ferrenhos da separação, no entanto, é impossível saber agora.
A pressa se deixa mostrar em vários temas nos quais foi acertado um certo “período de transição” (mais um, já que o próprio ano de 2020 foi um período de transição para o Brexit; formalmente, o Reino Unido não é parte da UE desde o fim de janeiro) que, uma vez encerrado, dará lugar ao “isso veremos depois”. Um exemplo significativo é o acesso de navios pesqueiros: por cinco anos, navios de países da UE poderão pescar em águas britânicas, e vice-versa, com restrições crescentes; depois disso, a permissão será negociada ano a ano. Neste caso, foram os britânicos os responsáveis por fazer concessões, já que é muito mais lucrativo para os navios da UE pescarem em águas britânicas que o oposto.
Um acordo fechado sob pressão de um prazo inadiável pode ter, ainda, muitas arestas a aparar, mas é melhor que acordo nenhum
Apesar do revés em temas sensíveis como o da pesca, o principal objetivo britânico, no entanto, foi atingido. Produtos britânicos terão entrada livre em território da UE, sem tarifas, taxas ou cotas de importação. Além disso, as cláusulas sobre direito de origem ainda permitem que produtos sejam considerados britânicos ainda que tenham parte de seus componentes oriundos de nações da União Europeia. A contrapartida foi a aceitação, da parte do Reino Unido, das normas europeias e de padrões mínimos no campo ambiental e de legislação trabalhista – o que, embora previsível, pode se tornar um transtorno a depender do produto, dada a propensão à microrregulação de burocratas em Bruxelas que definem, nos mínimos detalhes, o que é aceitável para que um produto seja feito ou vendido em solo europeu.
O acordo aparentemente resolveu um tema bastante sensível, o da fronteira terrestre entre o Reino Unido e a República da Irlanda – a ponto de estudantes da Irlanda do Norte (cidadãos do Reino Unido, portanto) continuarem livres para estudar na Irlanda por meio do programa Erasmus, de intercâmbio universitário, possibilidade que fica vedada aos demais britânicos. Já a Escócia fez questão de demonstrar sua revolta. Em 2013, o premiê David Cameron lançara a ideia do referendo sobre o Brexit como plataforma eleitoral para se manter no poder em 2015. Nesse meio tempo, em 2014, os escoceses foram às urnas votar sobre sua independência, e escolheram permanecer no Reino Unido justamente porque a campanha do “Better Together” lhes garantira que o Brexit era uma impossibilidade. Veio 2016 e, apesar de quase dois terços dos escoceses terem votado pelo “Remain”, a maioria dos britânicos optou pela saída. Não surpreende que os escoceses estejam furiosos por serem arrastados a uma separação que nunca desejaram.
Tanto o primeiro-ministro Boris Johnson quanto a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, se disseram satisfeitos com o acordo. Agora, ele tem de ser aprovado até o dia 31 pelo Parlamento britânico, onde Johnson tem ampla maioria, e pelos Legislativos de todos os países-membros da UE. Superada essa etapa, só a partir de 2021 os eleitores que votaram pelo Brexit em 2016, e que deram uma grande vitória a Johnson em 2019 por estarem cansados dos demais políticos conservadores, que relutavam em concluir a separação, saberão se fizeram a melhor escolha.
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