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Editorial

Acordo com réus do 8 de janeiro é chantagem institucionalizada

Manifestações durante feriado são programadas em Brasília e capitais
PGR agora quer que réus presos no acampamento confessem crimes para escapar da prisão. (Foto: Renan Ramalho/Gazeta do Povo)

Se uma proposta da Procuradoria-Geral da República (PGR) for aceita pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, em breve mais de mil brasileiros que passaram pelas prisões de Brasília, investigados e denunciados pelos atos de 8 de janeiro, terão diante de si uma autêntica “escolha de Sofia”. Ao entregar alegações finais ao STF, a PGR defendeu a possibilidade de realizar acordos de não persecução penal com 1.156 réus, que foram presos não na Praça dos Três Poderes, durante a invasão do Planalto, do Congresso e do Supremo, mas no dia seguinte, diante do acampamento montado em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília.

Esse tipo de acordo está previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal; se firmado, o investigado não seria julgado e não correria risco de voltar para a cadeia, tendo apenas de prestar serviços comunitários e pagar uma multa. No entanto, de acordo com a sugestão da OAB acolhida pela PGR, é necessário que o acusado contemplado seja réu primário, esteja respondendo por um crime cuja pena não ultrapasse os quatro anos de prisão, demonstre não haver elementos indicando que ele seja um criminoso habitual e, o mais importante, que confesse o crime que lhe está sendo imputado pela denúncia. No caso, trata-se do crime de incitação a golpe de Estado, previsto no artigo 286 do Código Penal e cuja pena máxima é de seis meses de detenção; a manifestação do subprocurador Carlos Frederico Santos ainda menciona o artigo 288 (associação criminosa), com pena máxima de três anos de prisão.

As opções que a PGR está disposta a oferecer a mais de mil cidadãos brasileiros são confessar um crime que eles têm a convicção de não ter cometido para escapar da prisão, ou manter sua inocência e enfrentar um julgamento cujo resultado é bastante previsível

Nas alegações finais, o subprocurador Santos afirma que as investigações não comprovaram que este grupo de denunciados (a esmagadora maioria dos que estão respondendo pelo 8 de janeiro, aliás) teve qualquer tipo de participação pessoal e direta no ataque à Praça dos Três Poderes: “os elementos atualmente existentes não indicam que tais indivíduos atacaram, de forma imediata, os poderes constituídos e o Estado Democrático de Direito”, afirma a PGR. Como já lembramos em outras ocasiões, não se pode ignorar que os acampamentos tinham um animus golpista, pois seu objetivo era pedir às Forças Armadas que impedissem a posse de Lula ou que o depusessem. No entanto, também afirmamos, e seguimos certos de que a maioria dos acampados não via essa interferência como um golpe, julgando equivocadamente que haveria amparo constitucional para tal, baseando-se em uma leitura errônea do artigo 142 da Constituição. Essa situação é contemplada no Código Penal, nos casos do “erro de tipo” (artigo 20) e do “erro de proibição” (artigo 21), e dificultaria a responsabilização objetiva dessas pessoas.

Eis, portanto, as opções que a PGR está disposta a oferecer a esses mais de mil cidadãos brasileiros: confessar um crime que eles têm a convicção de não ter cometido para escapar da prisão, ou manter sua inocência e enfrentar um julgamento cujo resultado é bastante previsível, à luz de todo o clima de caça às bruxas montado em relação ao 8 de janeiro na opinião pública, no Judiciário e no governo federal. Violar a própria consciência e viver com o registro de um “crime” confessado, ou arriscar uma condenação que, em um país governado pelo império da lei, quase certamente jamais viria, mas que no Brasil de hoje é praticamente certa.

Pois é preciso entender que os grandes vencedores, caso os acordos de não persecução penal sejam aceitos e firmados, são as autoridades brasileiras. Em um país democrático, esses 1.156 cidadãos estariam livres simplesmente porque os órgãos de investigação não encontraram nada concreto contra eles a não ser o fato de estarem no local errado e na hora errada. Mas não no Brasil; aqui, o princípio do juiz natural foi abolido, com os julgamentos sendo realizados no STF, e não na primeira instância do Distrito Federal; a PGR não foi capaz de individualizar condutas nem no momento das prisões, nem no oferecimento das denúncias, violando o devido processo legal e a ampla defesa – e, mesmo assim, o Supremo validou tudo isso. A confissão dos réus, estabelecida como condição para a não persecução penal, subitamente passaria uma borracha em todo o arbítrio, entregando de bandeja aos acusadores mais que uma saída honrosa: eles teriam o controle total da narrativa. “Os réus confessaram, portanto estávamos certos em tudo o que fizemos” passaria a ser a justificativa padrão de todos os responsáveis pelos absurdos kafkianos cometidos contra essas pessoas, que só teriam como escapar deles por meio de uma confissão, em vez de terem sua inocência devidamente atestada – no mínimo, por falta de provas.

Em vez de pedir o arquivamento da ação ou a absolvição dos réus devido à ausência de elementos concretos, o que a PGR faz é apenas propor uma troca: a liberdade pela confissão. Ironicamente, quando estão no “modo garantista”, ministros do Supremo chegam até a comparar delações premiadas com tortura. Mas, como no Brasil o garantismo é reservado a algumas poucas categorias, como corruptos e traficantes, aos brasileiros que foram presos no acampamento de Brasília resta apenas ver que ao arbítrio será acrescida também a chantagem.

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