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Editorial

Como não combater a corrupção

Presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, Ademar Traiano (PSD) assinou acordo no qual admite que praticou corrupção. (Foto: Orlando Kissner / Alep)

O mesmo Paraná que deu ao Brasil a Operação Lava Jato, um exemplo de tenacidade e inteligência que revelou ao país as entranhas do maior esquema de corrupção da história brasileira, e levou à prisão figuras graúdas da política e do empresariado nacional (ainda que tudo isso tenha sido desfeito depois), agora dá um contraexemplo de combate à corrupção ao deixar escapar praticamente impune um figurão da política local. O atual presidente da Assembleia Legislativa do estado (Alep), deputado Ademar Traiano (PSD), tem tudo para escapar da responsabilização por um esquema montado no Legislativo estadual, entregando no máximo alguns poucos anéis, graças a uma inexplicável escolha do Ministério Público paranaense.

Em outubro deste ano, Traiano se desentendeu com o também deputado estadual Renato Freitas (PT). Ao ter o microfone cortado pelo presidente da Alep após insultar evangélicos que se manifestavam nas galerias da casa legislativa, Freitas chamou Traiano de “corrupto”, o que levou à abertura de um processo contra o petista por quebra de decoro parlamentar. Ocorre que, goste-se ou não de Freitas, de sua retórica agressiva e de seus métodos, que já incluíram a invasão de igrejas, desta vez ele tinha razão: Traiano e o ex-deputado Plauto Miró (União Brasil) admitiram ter pedido e recebido propina em 2015 para renovar um contrato relativo à produção de conteúdo para a TV Assembleia. O processo corria em segredo de Justiça até que a imprensa local teve acesso aos documentos. As reportagens, no entanto, foram censuradas por uma juíza de primeira instância no início deste mês; dias depois, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná derrubou a liminar e permitiu a divulgação das informações. E o que elas mostram é tão escandaloso quanto a corrupção em si.

No máximo, a confissão e o ressarcimento poderiam servir como atenuantes no momento de determinar as penas, mas jamais servir de pretexto para que o MP abrisse mão da pretensão de levar Traiano e Miró à Justiça

Diante de um caso de corrupção devidamente comprovado graças às evidências entregues pelo empresário Vicente Malucelli, que gravou os achaques, a única opção possível ao Ministério Público seria levar o caso à Justiça para que os políticos pagassem pelo que admitiram ter feito. Em vez disso, o MPE simplesmente assinou com Traiano e Miró um acordo de não persecução penal, em dezembro do ano passado, pelo qual os dois políticos apenas admitiram o pedido de propina e se comprometeram em devolver R$ 187 mil; em troca, não seriam responsabilizados nem civil nem penalmente. É algo que não faz o menor sentido, assim como também não há razão nenhuma para a manutenção do sigilo sobre o acordo, como bem lembrou o desembargador que derrubou a decisão de censura das reportagens sobre o caso.

Ressalte-se que não estamos diante de alguém que recebe um benefício legal em troca de colaboração para que se alcancem os “peixes grandes” – isso se aplicava a Malucelli, mas Traiano, como chefe do Legislativo estadual, já é o ponto culminante do esquema, não havendo ninguém ainda maior que possa ser pego graças à colaboração dos dois políticos. Elucidada a trama, era hora de o MP dar início aos processos; no máximo, a confissão e o ressarcimento poderiam servir como atenuantes no momento de determinar as penas, mas jamais servir de pretexto para que o MP abrisse mão da pretensão de levar os corruptos confessos à Justiça. Livrando Traiano e Miró de toda e qualquer responsabilização, apenas mediante a devolução de um valor que nem mesmo corresponde à quantia integral da propina, o MP optou deliberadamente pela impunidade. Como é possível tamanha leniência com alguém que, ainda por cima, é o chefe do Poder Legislativo no estado? Na “menos pior” das hipóteses, estamos diante de um absurdo inaceitável; na pior, essa escolha pode até configurar crime de prevaricação.

Deveríamos estar discutindo se Traiano deveria ter seu mandato cassado, ser condenado pela Justiça e, talvez, preso; em vez disso, fala-se apenas em tirar o deputado da presidência da Assembleia Legislativa ou em uma punição da parte de seu partido, algo muito menor em comparação com os atos cometidos. E mesmo assim ainda há quem o defenda: em nota, o PSD – presidido no Paraná pelo atual governador do estado, Carlos Massa Ratinho Júnior – hipocritamente se apoiou no fato de não haver “condenação do filiado no caso citado” para não abrir procedimentos internos, esquecendo-se de que Traiano confessou o ato de corrupção e de que só não houve condenação porque o MP, de forma inexplicável, não quis levar o caso à Justiça. Ainda que o caso de Traiano esteja muito longe das dimensões da Lava Jato, a maneira como ele foi conduzido atesta como, em pouquíssimo tempo, a corrupção voltou a ser relativizada – inclusive pelas autoridades que deveriam estar mais empenhadas no seu combate.

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