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As contas públicas estão mesmo em frangalhos. Em resumo, foi esse o recado dado pela equipe econômica do governo federal. Meses atrás, definiu-se a meta de 1,1% do PIB, ou cerca de R$ 66 bilhões, para o superávit primário (a economia do poder público antes do pagamento de juros da dívida) em 2015. Até maio deste ano, o desempenho positivo correspondia a R$ 25,6 bilhões, indicando que, mantido o ritmo, a meta não seria cumprida. Diante da amarga realidade, o ministro Joaquim Levy anunciou, na quarta-feira, uma capitulação: a equipe econômica está praticamente desistindo de entregar um superávit no fim do ano, tendo mudado a meta para apenas 0,15% do PIB, ou R$ 8,7 bilhões. A rendição é tamanha que admite-se até mesmo um déficit primário de até R$ 17 bilhões, pois considera-se a possibilidade de abater R$ 26 bilhões caso algumas receitas extras esperadas pelo governo não venham como o desejado, ou caso falhem medidas de recuperação de débitos atrasados ou regularização de ativos no exterior.

A presidente sabe muito bem que o fiapo de confiança que seu governo ainda tem se deve ao ministro da Fazenda

O necessário ajuste fiscal de Joaquim Levy apostou demais no aumento da arrecadação, que não veio – em uma economia que passa por uma recessão, este não era um resultado de todo inesperado. Também houve cortes de gastos, mas questiona-se até que ponto eles foram feitos da melhor forma possível. O governo federal segurou recursos de projetos educacionais, como o Fies; cortou investimentos do PAC; reduziu o orçamento do Ministério da Saúde; na semana passada, suspendeu novas contratações para a faixa de menor renda do Minha Casa, Minha Vida, e em fevereiro já tinha bloqueado o Minha Casa Melhor. Enquanto isso, não houve nenhum esforço em reduzir ministérios, ou fazer qualquer corte substancial na inchadíssima máquina pública federal. Isso ajuda a entender por que, dos R$ 25,6 bilhões economizados até agora como superávit primário, apenas R$ 6,7 bilhões correspondem a esforços do governo central – todo o restante se deve a estados e municípios. Além disso, a falta de planejamento também se reflete na dependência de receitas extraordinárias para fechar a meta. Foi assim no passado com leilões de campos do pré-sal e da telefonia 4G, e é assim em 2015 com novas concessões de infraestrutura.

A redução da meta tem diversas interpretações e consequências. Com a queda na confiança de que o Brasil será capaz de equilibrar suas contas, cresce o temor de um rebaixamento na nota de crédito do país. Das três grandes agências de classificação de risco, a Standard and Poor’s já coloca o Brasil no mais baixo patamar do “grau de investimento” – se o país descer um único degrau, já cai para o “grau especulativo”. Na escala da Moody’s e da Fitch, o Brasil teria de cair dois níveis para perder o grau de investimento. No campo político, como alertou a colunista Míriam Leitão na Gazeta do Povo de quinta-feira, uma meta de superávit quase zerada pode ser vista como uma “licença para gastar” – e, de fato, o Congresso não tem colaborado com o ajuste ao aprovar diversos projetos que criam novos gastos para o governo, em um dos rounds da queda de braço entre Legislativo e Executivo. O problema é que adiar o aperto agora é caminho certo para prolongar e até intensificar esse mesmo aperto nos próximos anos.

Por fim, resta saber o que o próprio governo e seus aliados farão diante da situação atual. Setores do PT e centrais sindicais que não engolem Joaquim Levy estão prontos para espalhar a versão segundo a qual o ajuste fiscal é a causa dos problemas econômicos. Nada mais mentiroso, pois a responsabilidade pelo caos é da “nova matriz econômica” implementada no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Se os efeitos mais drásticos estão aparecendo só agora, isto é da própria dinâmica da economia. O perigo é que a versão segundo a qual a culpa é do ministro “neoliberal” se torne tão bem sucedida que resulte na fritura de Levy. Dilma acabaria, então, pressionada para dar uma guinada à esquerda e retomar o modelo anterior, aquele mesmo que ajudou a derrubar o país. A presidente sabe muito bem que o fiapo de confiança que seu governo ainda tem se deve ao ministro da Fazenda; que leve isso em consideração no momento de escolher entre o que é preciso fazer e o que certos grupos sem o menor compromisso com a responsabilidade econômica gostariam que ela fizesse.

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