Um país com as dimensões do Brasil precisa ter um setor aéreo pujante, que encurte distâncias para pessoas e cargas, conectando não apenas as grandes capitais, mas também centros regionais importantes. No entanto, o país tem uma dupla dificuldade para que o modal aéreo tenha por aqui a mesma importância que tem em outras nações de área similar. O primeiro obstáculo é a dificuldade para a entrada de novas empresas aéreas, devido a custos excessivos e um ambiente regulatório que não estimula a concorrência. O segundo é a falta de aeroportos em boas condições para que recebam rotas regulares – enquanto o Canadá tem cerca de 250 aeroportos com serviço regular, e os Estados Unidos têm pouco mais de 500, o Brasil conta com 134 terminais nesta situação, e muitos deles bastante subaproveitados.
Por isso, merece atenção uma proposta do governo federal que recebeu sinal verde do Tribunal de Contas da União (TCU): deixar que concessionárias privadas já operantes no Brasil assumam aeroportos menores em troca de benefícios como ampliação do prazo de contrato das demais concessões, ou desconto no valor de outorga. Estima-se que a estatal Infraero, governos estaduais e prefeituras administrem cerca de 100 pequenos aeroportos em todo o Brasil, e metade deles poderia atrair o interesse das concessionárias que já atuam nos grandes terminais brasileiros, como Guarulhos, Confins e Brasília – apenas as operadoras de Viracopos (em Campinas-SP) e do Galeão (no Rio) não poderiam participar dos leilões, já que ambas estão renegociando ou devolvendo as concessões.
Se dez anos atrás a Infraero não tinha dinheiro para melhorar os principais aeroportos do Brasil, tampouco o tem agora para modernizar os pequenos aeroportos
Entre os aeroportos que podem ser entregues à iniciativa privada estão os de Piracicaba, Guarujá e Americana, em São Paulo; Lençóis e Paulo Afonso, na Bahia; Caruaru e Serra Talhada, em Pernambuco; Ponta Grossa, Cascavel e Guarapuava, no Paraná; e São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Nem todos são da Infraero; aqueles que pertencem a estados e municípios só serão leiloados se houver a devida concordância das prefeituras e governos estaduais. A lista tem cidades de médio porte relevantes, municípios sem nenhum outro aeroporto próximo, ou onde exista algum outro fator gerador de demanda – demanda essa que já começa a ser atendida pelas empresas aéreas que operam no Brasil, e que estão expandindo sua malha com o uso de aeronaves de pequeno porte.
Que um governo estatizante e avesso à iniciativa privada como o petista tenha resolvido entregar dezenas de aeroportos a concessionárias privadas é sinal de que estamos diante de uma repetição do choque de pragmatismo ocorrido quando o Brasil conquistou o direito de sediar dois megaeventos esportivos: a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Naquela ocasião, o governo Dilma Rousseff percebeu que os aeroportos brasileiros não estavam em condições de atender à elevação da demanda, e que a Infraero não tinha como realizar os investimentos necessários. A saída encontrada foi a concessão – e mesmo assim feita em um modelo ruim, que mantinha robusta participação estatal na administração dos terminais. Só com a substituição de Dilma por Michel Temer as concessões passaram a ser feitas no modelo de blocos, cada um deles com uma “joia da coroa” e aeroportos menores, garantindo que todos recebessem as devidas melhorias, e sem resquícios estatizantes.
Se cerca de dez anos atrás a Infraero não tinha dinheiro para melhorar os principais aeroportos do Brasil, tampouco o tem agora para modernizar os pequenos aeroportos. O governo estima que o novo programa de leilões destrave R$ 3,5 bilhões em investimentos – o valor equivale a quase tudo o que a Infraero tem em ativos, segundo o Panorama das Estatais, do Ministério do Planejamento. Nessas circunstâncias, o convite à iniciativa privada surge como a melhor resposta, por mais surpreendente que seja vê-la partindo deste governo. Mas será preciso que os contratos sejam bem feitos, que as necessidades de cada aeroporto sejam devidamente mapeadas e que os investimentos sejam realizados; do contrário, os problemas continuarão os mesmos, apenas tendo trocado de mãos.