Nos últimos dias, dois parlamentares encrencados com a Justiça se tornaram o pivô de um cabo de guerra entre o Legislativo e o Judiciário. O deputado Wilson Santiago (PTB-PB) havia sido afastado do mandato por ordem do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, mas os deputados decidiram, na quarta-feira, dia 5, reverter o afastamento e manter o mandato. No mesmo dia, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afirmou que instalaria uma comissão para definir a situação da senadora Juíza Selma Arruda (Podemos-MT), cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral. No entanto, enquanto um caso segue um precedente que o próprio Supremo estabeleceu, em outro o Legislativo corre risco de entrar em rota de colisão direta com o Judiciário.
Wilson Santiago é investigado por ter recebido propina em um esquema de desvio de recursos que seriam usados em obras contra a seca na Paraíba. Em 21 de dezembro, a Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão no gabinete do deputado. A ação tinha sido autorizada por Celso de Mello, que também decidiu pelo afastamento do parlamentar. Como o recesso parlamentar começou no dia 23, na prática a decisão só manteve Santiago longe da atividade parlamentar nestes primeiros dias de fevereiro. Após a decisão da Câmara, o deputado voltou ao trabalho e o corregedor da casa, Paulo Bengston (PTB-PB), deve elaborar um parecer para que a Mesa Diretora avalie se Santiago responderá a um processo no Conselho de Ética.
Para Davi Alcolumbre e para muitos outros senadores, a Mesa Diretora do Senado pode simplesmente se recusar a cumprir a decisão do TSE sobre Selma Arruda
Embora tenha a aparência de insubordinação, todo o procedimento seguiu um precedente definido pelo próprio STF em 2017. Na ocasião, a Primeira Turma da corte tinha decidido pelo afastamento do então senador Aécio Neves (PSDB-MG), além de proibi-lo de sair de casa à noite. O plenário, então, votou por definir que qualquer medida cautelar contra parlamentar que interfira no exercício do mandato tenha de ser referendada pela casa a que o político pertence. Foi uma decisão imperfeita e que, como explicamos na ocasião, não captou o verdadeiro significado da independência entre poderes e das prerrogativas conferidas pelo mandato parlamentar, por ainda deixar portas abertas para violações dos artigos 53 e 55 da Constituição. Mesmo assim, ela conseguiu evitar uma situação de conflito aberto entre poderes, uma Caixa de Pandora que o próprio STF abriu por ocasião do afastamento de Eduardo Cunha, em 2016. Ainda que aquela decisão específica tivesse sido correta, esse tipo de medida deveria ser algo muito extraordinário, mas voltou a ser usado em outras ocasiões sem o mesmo critério.
Caso diferente é o da senadora Selma Arruda, eleita pelo PSL e que mudou de partido no ano passado. Em 10 de dezembro, o plenário do Tribunal Superior Eleitoral manteve decisão do TRE mato-grossense que cassou o diploma da senadora e de seus suplentes por caixa 2 e abuso de poder econômico na eleição de 2018. A corte ainda determinou a realização de novas eleições, e o presidente do Supremo, Dias Toffoli, atendendo a um pedido do governador de Mato Grosso, determinou que o terceiro colocado no pleito de 2018 assuma interinamente a cadeira neste intervalo. No julgamento, os ministros afirmaram que Selma poderia permanecer no cargo apenas até a publicação do acórdão, o que ocorreu em 18 de dezembro. Mesmo assim, ela continua recebendo salário e tendo direito a imóvel funcional.
A cassação do diploma significa, na prática, que a eleição de Selma foi nula e que ela não tem mandato. Apesar de ainda haver possibilidade de recurso ao STF, caberia ao Senado cumprir a decisão judicial, daí o problema causado pela decisão de Alcolumbre ao mantê-la no cargo enquanto anunciava um rito de afastamento que deve durar vários dias. O partido da senadora pretendia até mesmo que Alcolumbre esperasse o julgamento do recurso, mas a Advocacia do Senado lembrou que, em 2018, o STF determinou que decisões do TSE sobre registro de candidaturas, cassação de diplomas e perda de mandatos precisam ser executadas imediatamente, mesmo que haja recursos.
Alcolumbre flerta com o conflito aberto ao deixar claro que, para ele – e para muitos outros senadores –, a Mesa Diretora pode simplesmente se recusar a cumprir a decisão do TSE. “Será o primeiro fato concreto em relação a isso”, afirmou, parecendo não ter muita consciência da gravidade dessa alternativa e admitindo que não saberia o que fazer caso isso realmente acontecesse. Afinal, a Constituição afirma, no artigo 55, parágrafo 3.º, que nos casos de cassação pela Justiça Eleitoral, previstos no inciso V do mesmo artigo, cabe à Mesa Diretora simplesmente declarar a perda de mandato; não há previsão constitucional para afrontar o TSE.
Antes mesmo do caso de Aécio Neves, Senado e Supremo já tinham estado muito mais próximos de uma grave crise institucional no fim de 2016, quando Marco Aurélio Mello ordenou que Renan Calheiros fosse afastado da presidência do Senado e o alagoano simplesmente se recusou a cumprir a decisão, revertida dias depois pelo plenário da corte. Aquele episódio, ainda que resolvido de forma apaziguadora, enfraqueceu a noção de que decisões judiciais, independentemente da avaliação que se faça a seu respeito, têm de ser cumpridas, inclusive pelo Senado da República. Mesmo que a Mesa Diretora afaste Selma Arruda, o mero fato de se considerar válida a possibilidade de desobediência já é causa de suma preocupação.
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