“Obstruir é crime. Obstruir, afetar a economia popular é crime.” São palavras de Dilma Rousseff em novembro do ano passado, durante uma greve de caminhoneiros. O então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, acrescentou que o protesto dos caminhoneiros era “uma manifestação claramente política” e que isso “nos demonstra claramente que é inaceitável, que esse tipo de situação não pode ocorrer”. Pois é exatamente uma “manifestação claramente política” que o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e a Frente Povo sem Medo pretendem realizar nos próximos dias, bloqueando 30 estradas em dez estados, segundo informações do jornal Folha de S.Paulo. O MTST é aquele grupo comandado por Guilherme Boulos, que prometeu não haver “um dia de paz no Brasil” caso Dilma caísse ou Lula fosse preso.

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Mas quem não disse um pio quando Boulos e outros líderes de “movimentos sociais” e centrais sindicais fizeram ameaças semelhantes, ou quando o Movimento dos Sem-Terra (MST) também bloqueou estradas na sexta-feira que antecedeu a votação do impeachment na Câmara, provavelmente não verá crime algum quando seus aliados provocarem caos nas estradas – e aqui está a chave para compreender a moral petista. Os caminhoneiros, afinal, protestavam contra o governo. Nessas horas, sim, bloquear estradas é crime. Mas, quando as mesmas rodovias têm o fluxo interrompido pelos amigos do governo, subitamente o protesto se transforma em manifestação democrática legítima.

Ainda que Dilma caia, há outros meios de perpetuar a permanência do partido nas estruturas governamentais

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Reações como essas são o que podemos esperar daqui em diante, com a cumplicidade – se não a coordenação – de um governo que se vê na iminência de cair. Mas esta é apenas a face mais visível das providências que o petismo toma para se agarrar ao poder. Ainda que a estratégia da intimidação não funcione e Dilma sofra o impeachment no Senado, há outros meios de perpetuar a permanência do partido nas estruturas governamentais, meios tornados possíveis pelo próprio gigantismo estatal.

A saída de partidos da base aliada deixou abertos vários cargos nos mais diversos escalões da administração pública. O governo recorreu até a edições extraordinárias do Diário Oficial da União para anunciar nomeações e exonerações de dezenas de servidores, como parte do feirão montado por Dilma e Lula para conquistar votos contra o impeachment, abstenções e ausências – e indicações feitas para agradar deputados que “traíram” o governo na última hora já foram revertidas com a mesma rapidez. Fato é que o partido que promoveu o maior aparelhamento da máquina pública já visto no país terá, até o momento final, a caneta na mão. O petismo pode estar de saída do Planalto, mas tentará deixar os seus em diretorias, gerências, departamentos, assessorias e o que mais houver disponível. O Diário Oficial terá de ser lido com lupa nas próximas semanas pela equipe de Michel Temer.

Vários petistas ilustres já classificaram um eventual governo Temer como “ilegítimo” – isso apesar de estarem sendo observadas a Constituição e toda a legislação existente sobre o impeachment, bem como o rito desenhado pelo STF, e apesar da existência concreta de crime de responsabilidade que justifique a cassação do mandato de Dilma. Isso mostra o apreço dos líderes do partido pela democracia e ajuda a entender o que afirmou Kevin Zamora, ex-secretário de assuntos políticos da Organização dos Estados Americanos, que em entrevista à BBC disse que Lula e o PT “podem fazer o país ingovernável”.

Dilma pode ter desistido, no último minuto, de usar a tribuna da ONU para denunciar um “golpe”, escapando, assim, de um vexame de dimensões globais. Mas que ninguém se iluda: o petismo que fez o diabo para ganhar uma eleição não pensará duas vezes antes de fazer o diabo para se manter no poder ou, pelo menos, continuar a imprimir sua marca mesmo depois de perder a Presidência.

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