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Davi Alcolumbre
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, em sessão virtual em 14 de abril.| Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

A negociação entre Paulo Guedes e Davi Alcolumbre (DEM-AP) rendeu frutos. O chefe da equipe econômica de Jair Bolsonaro e o presidente do Senado, que assumiu a relatoria do plano de socorro a estados e municípios, chegaram a um acordo que melhora muito o texto que tinha sido aprovado na Câmara dos Deputados. O substitutivo de Alcolumbre ao PLP 149/19 é mais equilibrado, com concessões de ambos os lados; e mais previsível, já que o governo federal passa a saber com antecedência qual será o valor que terá de desembolsar.

O projeto que o Congresso está analisando, é preciso lembrar, resulta da destruição completa do Plano Mansueto, um excelente programa de recuperação fiscal que exigia dos estados e municípios a realização de medidas de ajuste antes de poder renegociar dívidas e conseguir mais crédito junto ao governo federal. Diante da necessidade de estabelecer um socorro financeiro a estados e municípios que perderiam arrecadação, os congressistas, em vez de elaborar um novo projeto de lei específico sobre o tema, resolveram desfigurar o pacote de ajuste fiscal dos estados até que ele ficasse irreconhecível. Um dos substitutivos permitiria até que estados e municípios se endividassem com garantia da União, com o risco de todos esses novos empréstimos acabarem, mais cedo ou mais tarde, no colo do Tesouro Nacional.

O texto de Alcolumbre tem concessões de ambos os lados e permite ao governo federal saber com antecedência qual será o custo da ajuda

A versão que a Câmara aprovou não era tão indecente, mas continuou absurda. Ela determinava apenas que a União compensasse a queda de arrecadação com o ICMS (estadual) e o ISS (municipal) por seis meses, garantindo a repetição dos valores obtidos no mesmo período do ano passado. A regra, no entanto, tornava impossível saber de antemão quanto a União teria de desembolsar, e chegou a haver uma guerra de números entre governo e Câmara a respeito do possível impacto da medida. A Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, também fez suas contas e concluiu que, para cada 10% de perda de receita, a ajuda do governo seria de 0,38% do PIB, ou R$ 27,9 bilhões. No pior cenário, de redução total na arrecadação, a União teria de repassar R$ 279 bilhões a estados e municípios, um custo praticamente impagável.

O modelo ainda tem outros defeitos, de acordo com o economista Josué Pellegrini, autor do estudo. “Quanto mais baixa a arrecadação indicada pelas informações fornecidas pelos estados e municípios, maior a transferência da União. Há, portanto, incentivo para que os entes subnacionais subestimem a arrecadação, afrouxem os controles dos fiscos e adotem medidas tributárias que levem à redução da receita”, afirma. Além disso, como a queda da arrecadação decorre das restrições à atividade econômica estabelecidas pelos próprios governos estaduais e municipais, muitos gestores, vendo garantida sua receita pelos próximos meses, poderiam se ver incentivados a prolongar desnecessariamente o isolamento e o fechamento dos negócios – a chave, aqui, é o termo “desnecessariamente”, já que nas regiões onde a Covid-19 está fora de controle pode ser preciso estender as medidas restritivas.

O substitutivo de Alcolumbre define a transferência federal em R$ 60 bilhões pagos ao longo de quatro meses, o que, no cenário desenhado pelo IFI, compensa uma perda de arrecadação de pouco mais de 30% neste período. No entanto, o repasse direto não é o único auxílio que estados e municípios terão: eles também deixam de pagar sua dívida com a União até o fim do ano (esses valores começarão a ser quitados apenas em 2022), e poderão renegociar seus empréstimos com bancos estatais e privados diretamente, sem precisar de autorização do Tesouro. O IFI estima que, apenas com a suspensão dos pagamentos da dívida, a União deixaria de receber R$ 32,6 bilhões neste ano – o valor real é um pouco menor porque alguns estados já não estavam quitando suas parcelas, por decisão judicial.

Guedes conseguiu fixar o valor da ajuda federal, mas teve de ceder um pouco – afinal, o governo planejava inicialmente um repasse de R$ 40 bilhões. Em compensação, ele conseguiu o compromisso de Alcolumbre com uma contrapartida importante dos estados e municípios: o congelamento dos salários do funcionalismo de todos os poderes, em todas as esferas, por 18 meses (o desejo inicial do governo era dois anos), além de uma série de outras medidas que impedem o aumento do gasto com o funcionalismo. É preciso recordar que os servidores vinham passando incólumes pelo caos que o coronavírus impôs à economia. Mesmo com o congelamento de salários, há de se ter em mente que o sacrifício pedido ao funcionalismo, que goza da estabilidade, continua a ser muito menor que o dos trabalhadores da iniciativa privada, que hoje convivem com reduções de salários e jornada, suspensão de contratos de trabalho ou mesmo a demissão pura e simples.

Agora, os senadores podem propor emendas até sábado, quando o projeto será votado. Se aprovado, terá de retornar à Câmara devido às mudanças feitas por Alcolumbre. Esta é a hora da responsabilidade. Estados e municípios precisam de ajuda, até por estarem na linha de frente do combate à Covid-19. O repasse é robusto e terá de ser fiscalizado com rigor – já começam a pipocar suspeitas quanto a aquisições de equipamentos, como os respiradores chineses comprados pelo governo paulista a um custo médio de R$ 180 mil por aparelho, acima do que vem sendo pago por outros estados e pelo Ministério da Saúde. O estado de calamidade pública permite o aumento nos gastos, mas não é carta branca nem para se quebrar o governo, nem para se jogar dinheiro fora.

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