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Editorial

Um ano depois, Alexandre de Moraes constata o óbvio

Alexandre de Moraes
Alexandre de Moraes mandou arquivar investigação contra seis dos oito empresários que foram alvo de operação da Polícia Federal em agosto de 2022. (Foto: Divulgação/STF)

Quando os especialistas do Guinness Book of Records vierem ao Brasil para analisar o pleito do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, que deseja fama internacional por ter realizado “a maior prisão da história do mundo”, em referência aos acampados diante do quartel do Exército em Brasília, poderão aproveitar a viagem para verificar um outro recorde. Afinal, muito provavelmente jamais um ministro de suprema corte, ainda mais um que fez carreira como constitucionalista e por isso conhece muito bem as proteções e garantias dadas aos cidadãos pela Carta Magna, tenha levado tanto tempo para perceber que manifestar opiniões e fazer conjecturas privadamente não é crime no Brasil.

Na segunda-feira, dia 21, faltando apenas dois dias para que se completasse um ano da abusiva operação policial ordenada por Alexandre de Moraes contra oito empresários devido a conversas mantidas em um grupo privado de WhatsApp, o ministro do STF arquivou a investigação contra seis deles: Afrânio Barreira, dono dos restaurantes Coco Bambu; José Isaac Peres, proprietário da rede de shoppings Multiplan; José Koury, dono do Barra World Shopping, no Rio de Janeiro; Ivan Wrobel, sócio da construtora W3 Engenharia; Marco Aurélio Raymundo (conhecido como “Morongo”), proprietário da marca de surfwear Mormaii; e André Tissot, dono do grupo Sierra Móveis. Os celulares e computadores apreendidos, e que estavam até agora com os investigadores, foram devolvidos.

O arquivamento da investigação contra os empresários, embora correto, não chega nem mesmo a merecer elogio, pois trata-se da única atitude possível, e que vem com um inaceitável atraso de um ano

A decisão, de sete páginas e sem nenhum dos clichês em negrito e com pontos de exclamação que têm caracterizado as manifestações de Moraes, atesta nada mais que o óbvio ululante: que os “investigados (...), embora anuíssem com as notícias falsas, não passaram dos limites de manifestação interna no referido grupo, sem a exteriorização capaz de causar influência em terceiros como formadores de opinião”; e que “não foram confirmados indícios reais de fatos típicos praticados pelos investigados (quis) ou qualquer indicação dos meios que os mesmos teriam empregado (quibus auxiliis) em relação às condutas objeto de investigação, ou ainda, o malefício que produziu (quid), os motivos que o determinaram (quomodo), o lugar onde a praticou (ubi), o tempo (quando) ou qualquer outra informação relevante que justifique a manutenção da investigação”. Mas isso era facilmente perceptível já em agosto de 2022, pelo teor das mensagens divulgadas por um jornalista do portal Metrópoles que acompanhava as conversas dos empresários no WhatsApp. Havia simplesmente a manifestação de opiniões – sensatas ou não, pouco importa, pois não cabe ao Judiciário esse tipo de análise – e, no máximo, alguma conjectura logo abandonada a respeito de ações que poderiam estimular pessoas a votar em Jair Bolsonaro.

“A manutenção da investigação criminal sem justa causa, ainda que em fase de inquérito, constitui injusto e grave constrangimento aos investigados”, escreveu, ainda, Moraes. Mas podemos dizer, com toda a certeza, que neste caso a mera abertura da investigação já constituiu verdadeiro abuso. Objetos foram apreendidos, contas bancárias foram congeladas, o princípio do juiz natural foi sumariamente ignorado, tudo isso por causa de simples manifestação de opiniões que não constituem nenhum dos crimes descritos no Código Penal. Este é um caso em que a decisão, embora correta, não chega nem mesmo a merecer elogio, pois trata-se da única atitude possível, e que vem com um inaceitável atraso de um ano.

Além disso, não houve a anulação total do arbítrio, pois Moraes manteve as investigações contra dois empresários: Luciano Hang, da Havan, que não forneceu aos investigadores as senhas para o desbloqueio dos aparelhos apreendidos; e Meyer Nigri, da Tecnisa, devido a conversas encontradas com um interlocutor que, supõe-se, seja o ex-presidente Bolsonaro. Importante mencionar que nem Hang nem Nigri fizeram nenhum tipo de defesa – nem sequer menção – a golpe nas conversas tornadas públicas. Além disso, se o intuito do inquérito era investigar “a ilícita defesa de um golpe de Estado por diversos empresários, em grupo de aplicativo de mensagens denominado ‘WhatsApp Empresários & Política’”, como diz Moraes no primeiro parágrafo da decisão de arquivamento, a manutenção do inquérito contra Nigri por conversas com Bolsonaro dá muitos motivos para questionar se não ocorreu, de fato, o procedimento abusivo de “pesca probatória” contra o empresário, por se tratar de diálogos ocorridos fora do grupo de WhatsApp em questão.

A investigação agora arquivada, no entanto, está muito longe de ser o único caso em que brasileiros estão sendo perseguidos e punidos por causa de suas opiniões. Jornalistas, formadores de opinião e até políticos teoricamente protegidos pela imunidade parlamentar continuam sem poder se manifestar em redes sociais (o que configura censura prévia), e alguns deles continuam a ter contas bancárias bloqueadas e passaportes cancelados. Moraes tirou um bode da sala, mas muitos outros permanecem – sem falar do nauseante mau cheiro do arbítrio.

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