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Aeroporto de Roma
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, e o então presidente do TSE, Alexandre de Moraes, em sessão da corte eleitoral em maio de 2024.| Foto: Antonio Augusto/Secom/MPF

Diante do início de uma série de reportagens da Folha de S.Paulo, trazendo o conteúdo de conversas de assessores do ministro do STF e ex-presidente do TSE Alexandre de Moraes que revelam uma atuação “fora do rito” para a perseguição judicial a críticos das duas cortes, a primeira reação foi a de minimizar as revelações. “Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados”, dizia trecho de nota enviada pelo gabinete do ministro assim que o escândalo estourou. No entanto, como a simples afirmação de que “não há nada para ver aqui” não funcionou – e nem poderia funcionar, tamanha a gravidade do que vem sendo exposto –, Moraes e seus aliados em Brasília mudaram de estratégia e passaram a jogar uma carta que é velha conhecida: a do “ataque às instituições”.

Ao ordenar a abertura de inquérito para investigar como as mensagens foram parar nas mãos do jornalista Glenn Greenwald – um “metainquérito” que, por si só, já é bastante questionável do ponto de vista jurídico –, Moraes afirmou que “o vazamento e a divulgação de mensagens particulares trocadas entre servidores dos referidos Tribunais se revelam como novos indícios da atuação estruturada de uma possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas”. Além disso, afirmou haver uma “organização criminosa” que teria como objetivo a “cassação” de ministros do Supremo, o “fechamento da Corte Máxima do país”, o “retorno da ditadura” e o “afastamento da fiel observância da Constituição Federal”. É de se questionar, obviamente, como Moraes já tirou todas essas conclusões antes mesmo de as investigações terem começado.

Ao proclamar-se mais uma vez a encarnação da democracia e rotular de antidemocráticos todos os que ousam criticá-lo, Moraes repete um truque que já perdeu seu encanto

O ministro não está sozinho nessa linha de argumentação. Depois de ter sido novamente escanteada, já que não foi sua a iniciativa de pedir a abertura de inquérito para apurar o vazamento, a Procuradoria-Geral da República se manifestou endossando a tese do complô contra as instituições. “O vazamento seletivo de informações protegidas por sigilo constitucional (...) teve o nítido propósito de tentar colocar em dúvida a legitimidade e a lisura de importantes investigações que seguem em curso no Supremo Tribunal Federal, como estratégia para incitar a prática de atos antidemocráticos e tentar desestabilizar as instituições republicanas”, afirmou o procurador-geral Paulo Gonet em manifestação sobre a ordem de apreensão do celular do perito Eduardo Tagliaferro, ex-diretor do departamento de “combate à desinformação” do TSE e visto como principal suspeito de ter entregue as mensagens à Folha, o que ele negou em depoimento.

Quem, no entanto, trabalha para desestabilizar e desmoralizar as instituições? Quem mistura atribuições, colocando instituições de uma corte para servir a outra fora de seu escopo original, e está tão ciente disso que solicita mudanças na autoria de relatórios e esconde os reais autores de certos pedidos, ou quem denuncia esse modus operandi? Quem quer ditadura e “afastamento da fiel observância da Constituição”? Quem impõe censura prévia indiscriminadamente e ignora o devido processo legal e o direito à ampla defesa, à revelia do que dizem vários artigos da Carta Magna, ou quem levanta a voz contra o desmando e o arbítrio? É fácil concluir que o verdadeiro complô é aquele que subordina as instituições a interesses privados de perseguição política, ainda que travestidos de “defesa da democracia”.

Ninguém quer ditadura, nem fechamento da suprema corte. O que o Brasil deseja é respeito completo à Constituição, especialmente às garantias individuais tão vilipendiadas nos últimos tempos, e ministros do STF que atuem como autênticos guardiões da Carta Magna, do império da lei e das liberdades, incluindo as de expressão e de crítica. Ao proclamar-se mais uma vez a encarnação da democracia e rotular de antidemocráticos todos os que ousam criticá-lo, Moraes repete um truque que já perdeu seu encanto. Enquanto muitas democracias celebram seus whistleblowers como pessoas que contribuem para o aperfeiçoamento das instituições ao expor seus excessos, o Brasil corre para criminalizar quem traz à luz os métodos escusos. Enquanto a Constituição elenca a transparência como um dos princípios da administração pública, alguns redobram o esforço para que tudo permaneça sempre nas sombras – para esses, ao contrário do que afirmara Louis Brandeis, a luz do sol não é desinfetante, mas veneno puro.

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