Em 20 de março de 2020 – portanto, há quase um ano –, a Gazeta do Povo publicou editorial sob o título “O pânico nos mercados e as perspectivas de recuperação”, no qual lembrava que a pandemia do coronavírus havia levado a China a tomar medidas drásticas, fechar fábricas e reduzir a produção nacional, fatores que, juntando-se a outros eventos graves na economia mundial, faziam prever queda do crescimento e grave recessão. Naquele momento, o número de pessoas infectadas havia aumentado substancialmente, a pandemia (declarada pela OMS em 11 de março) se espalhava em alta velocidade pelo mundo e já adquiria contornos de catástrofe sanitária, desinformação e pânico. A redução do produto bruto mundial já começava, as moedas nacionais perdiam valor, as ações de empresas listas em bolsas de valores caíam.
Com isso, as incertezas aumentavam e as medidas para enfrentar a propagação da doença aceleravam a recessão. O fechamento de atividades econômicas e o distanciamento social consolidavam a recessão de 2020, o desemprego explodia e pairava no ar o desespero das famílias que perdiam renda e capacidade de suprir sua sobrevivência. Embora tendo experiência em catástrofes, a humanidade se via diante de um inimigo desconhecido, altamente perigoso, com uma capacidade de se espalhar e afetar o mundo como nunca se havia visto.
A maior marca dessa pandemia pode ser resumida em uma palavra: ignorância. O desconhecimento científico de um vírus novo gera ignorância, e esta leva a incertezas e riscos
Naquele texto editorial, a Gazeta lembrava que o governo existe, entre outras razões, para liderar o enfrentamento de problemas coletivos que escapam à capacidade individual de solução, exatamente como a pandemia que então castigava o planeta. Em poucas semanas, a partir de março de 2020, dos 193 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), 187 já haviam reportado vítimas da Covid-19, com crescimento do número de infectados e mortos. Ou seja, o problema já era um mal simultâneo em todos os países, com certas variações de grau. Dado o desconhecimento científico sobre o coronavírus e sem os meios para extirpar a pandemia, sobretudo a inexistência de vacina, o grau de incerteza e riscos foi elevado às alturas, tornando-se impossível saber quando a pandemia atingiria o pico e quando seria superada.
Neste um ano de pandemia e recessão, há algumas lições que merecem ser aprendidas. Uma delas é a de que a ciência não tem todas as verdades absolutas nem é infalível, e muito menos é um conjunto de conhecimentos prontos e acabados. Pelo contrário: o maior mérito da ciência é ser provisória e ter todas as suas teorias contestadas e submetidas àquilo que Karl Popper chamou o “teste da falseabilidade”. Ou seja, a ciência tem valor justamente por colocar suas descobertas e teorias em questionamento o tempo todo, e assim os cientistas seguem pesquisando os limites das teorias, submetendo-as a novos testes, num esforço constante de compreender mais e melhor sobre o mesmo problema e as mesmas soluções.
No caso do coronavírus, a estrutura, a alta capacidade de transmissão e o grau de letalidade da doença que ele provoca – a Covid 19 – assombraram os cientistas e os pesquisadores, que mergulharam num trabalho profundo e quase desesperado diante do alastramento do mal, em busca de conhecer o agente, encontrar tratamentos eficazes e produzir vacina capaz de vencer a guerra contra o novo e perigoso inimigo da saúde pública. No caos dos últimos 12 meses, proliferaram análises e opiniões tanto por membros do meio científico quanto dos mais variados segmentos sociais. Nunca tantos se puseram a falar de um assunto do qual quase ninguém entende – e nunca tantos estiveram errados. E, mesmo entre os supostos entendidos no tema, muitos também cometeram equívocos, exatamente por se tratar de um inimigo novo e desconhecido em sua ação e em suas consequências.
Outra lição é que, diante da ignorância e do desconhecido, e frente à incapacidade de fazer previsões, as decisões de fechamento de atividades e de isolamento social foram objeto de críticas ou de aprovação, sem que ninguém possa afirmar com segurança o que o mundo fez de certo e o que fez de errado no campo das decisões obrigatórias sobre toda a sociedade. Nos últimos meses, surgiram novas ondas de variantes do mesmo vírus, coisa que também ninguém podia prever seis meses atrás. Nesse sentido, as medidas que afetam os negócios e as interações sociais tiveram um caráter precaucional. Algumas delas soam razoáveis; outras, exageradas e desproporcionais. Mas apenas no futuro será possível oferecer uma avaliação definitiva, que terá de levar em conta o que se sabia no momento das infecções e mortes. A maior marca dessa pandemia pode ser resumida em uma palavra: ignorância. O desconhecimento científico de um vírus novo gera ignorância, e esta leva a incertezas e riscos.
Uma terceira lição é a de que o Brasil e o mundo precisam apostar na vacinação em massa e contar com a eficácia das vacinas desenvolvidas neste curto período de tempo, o que só foi possível graças à enorme e inédita confluência de recursos financeiros e intelectuais na luta pela imunização. No cipoal de opiniões diante de novas variantes do vírus, há dados promissores e encorajadores – como a informação de que a vacina da Universidade de Oxford pode ser eficaz contra a cepa surgida em Manaus –, mas também há quem diga que a luta está longe de ser ganha somente com as vacinas conhecidas e que o mundo deveria se preparar para uma longa batalha contra o vírus. Novamente abre-se um enorme leque para opiniões e previsões cuja veracidade e acerto somente poderão ser confirmados no futuro, mas isso não é desculpa para a inação: governo, empresas e famílias devem se unir para levar adiante todos os meios pelos quais se consiga atingir a vacinação do máximo possível de pessoas, até porque é a continuidade da circulação do vírus que favorece o aparecimento de mutações, um processo que pode ser freado se a população estiver imunizada em larga escala.
Uma última lição é a de que, a cada fôlego que a pandemia der, o país todo – trabalhadores, líderes, profissionais, empresas e governo – deve se dedicar a erguer a economia, retomar a produção, gerar empregos e obter taxas de crescimento tão altas quanto possível, mesmo porque, neste momento, ninguém, nem na ciência nem fora dela, pode prever com precisão quando a pandemia será definitivamente vencida, o que dependerá da velocidade da vacinação em nível global e da contenção de eventuais novas cepas. Se a vacinação funcionar e a doença for reduzida, a prioridade passa a ser trabalhar para aumentar produto, renda, emprego e arrecadação, para que o quanto antes as vítimas econômicas da pandemia – os que perderam seus empregos e negócios – possam se reerguer com dignidade e os governos possam se recuperar dos problemas causados pelo endividamento acentuado.
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