Quando o Senado voltar do recesso parlamentar e iniciar a análise da reforma tributária, já terá diante de si uma estimativa tecnicamente fundamentada para número que o país inteiro gostaria de saber: a possível alíquota do novo imposto que substituirá os tributos sobre produção e consumo de bens e serviços, espinha dorsal da reforma. E a notícia não é nada boa: estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento, estima um IVA de 28,4%, que deixaria o país na liderança mundial entre as nações que aplicam esse tipo de imposto – hoje, o IVA mais alto do planeta é o húngaro, em 27%.
A alíquota, evidentemente, será implantada por lei complementar – e nem seria desejável que ela fosse definida imediatamente, pois isso significaria cristalizá-la na Constituição, com todas as dificuldades bastante conhecidas para alterações futuras. Os 28,4% a que chegou o pesquisador João Maria Oliveira, o autor de “Propostas de Reforma Tributária e seus impactos: Uma avaliação comparativa”, são uma estimativa, atingida partindo do princípio de que o novo imposto terá de arrecadar a mesma quantia hoje levantada pelos tributos federais, estaduais e municipais que serão futuramente extintos e unificados, e usando para os cálculos o texto exato que foi aprovado pela Câmara dos Deputados. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, discordou dos números, afirmando que eles não consideravam alguns fatores; na quarta-feira, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, se reuniu com Haddad e levou consigo a presidente do Ipea, Luciana Servo, para apresentar os detalhes do estudo, embora esse não fosse o tema principal do encontro.
Quanto mais atividades ou setores da economia conseguirem escapar da alíquota padrão, seja pela redução, seja pela isenção, maior acabará sendo essa alíquota para que a meta de arrecadação seja atingida
Verdade seja dita, mesmo nas versões originais das PECs de reforma tributária apresentadas ao Congresso as alíquotas não seriam muito mais baixas: 25% na versão original da PEC 45, idealizada por Bernard Appy (hoje secretário extraordinário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda) e que se tornou o texto sobre o qual o Congresso trabalha; e 26,9% na PEC 110, do Senado, que ficou pelo caminho. Já depois da aprovação na Câmara, Appy afirmou que a alíquota não passaria de 30%, o que não chega a ser um grande alívio, já que mesmo os 25% originalmente previstos teriam um efeito bastante severo sobre alguns setores. Portanto, trabalhar para que a alíquota final seja ao menos um pouco menor deveria ser objetivo a unir governo e Congresso quando as discussões forem retomadas.
Evidentemente, uma das maneiras mais simples de reduzir a alíquota do IVA – e a carga tributária como um todo – seria uma racionalização total dos gastos do governo, com uma reforma administrativa séria, eliminação de desperdícios, privilégios e programas ineficazes, e um Orçamento desengessado. No entanto, pretender que este governo específico se disponha a gastar menos seria sujeitar-se a uma espera mais que beckettiana. Uma outra alternativa já consta do próprio estudo do Ipea e também está na boca do ministro Haddad: reduzir a quantidade de exceções à regra – os setores que não pagarão IVA, ou pagarão apenas 40% da alíquota padrão.
A matemática não tem ideologia, e com o IVA da reforma tributária ocorre o mesmo que o brasileiro já percebe com itens como ingressos para eventos culturais ou a tarifa do transporte coletivo: quanto mais categorias ganham direito a meia-entrada ou gratuidade, mais o preço “cheio” terá de ser maior para que o evento ou o serviço seja custeado. Da mesma forma, quanto mais atividades ou setores da economia conseguirem escapar da alíquota padrão, seja pela redução, seja pela isenção, maior acabará sendo essa alíquota para que a meta de arrecadação seja atingida.
O mal, aqui, não é que haja essas exceções – a Gazeta do Povo defende que o Estado pode fazer escolhas que induzam o desenvolvimento de determinados setores econômicos ou regiões geográficas, e a tributação é uma dessas formas de incentivo. O problema surge quando ganha não quem realmente merece, mas apenas quem sabe gritar mais alto, com o lobby dos setores mais organizados sobrepondo-se às reais necessidades de uma localidade ou atividade que tem menos condições de se articular para fazer pressão. Neste sentido, Haddad tem razão ao dizer que “tem de calibrar bem as exceções, para que elas estejam bem justificadas”. O ministro ainda ressaltou outro ponto-chave: uma transição bem feita, sem atropelos, será tão fundamental quanto a definição das exceções à alíquota padrão para que se avalie o peso final do novo imposto sobre o contribuinte.
O estudo do Ipea, portanto, é um ponto de partida bem-vindo para que o reinício das discussões. O princípio norteador da reforma, a simplificação do sistema tributário, é positivo e já está definido; ter uma ideia melhor de como esse princípio será concretizado ajudará os senadores – e os deputados, caso mudanças no Senado façam o texto retornar à Câmara – a calibrar bem as regras. É interessante verificar que, mesmo com a alíquota mais alta, a reforma tem o potencial de elevar o PIB em comparação com o que ocorreria se o atual sistema fosse mantido; esse crescimento adicional, no entanto, seria ainda maior com alíquotas de IVA menores, aponta o estudo do Ipea. Que os parlamentares aproveitem bem as informações que estão recebendo para que, ao fim, a reforma tributária reflita realmente um projeto de país, e não o resultado de uma competição de lobbies.