Um dos principais “vilões” da inflação de 2021 tem data marcada para se despedir: a bandeira tarifária especial de escassez hídrica, instituída de forma extraordinária pelo governo federal e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em agosto do ano passado, será substituída pela bandeira verde a partir deste sábado, antecipando a mudança, que era esperada para o fim deste mês. Com isso, não haverá mais a cobrança da sobretaxa de R$ 14,20 para cada 100 quilowatts-hora consumidos e o brasileiro já deve perceber, nas próximas semanas, uma redução na conta de energia elétrica. O alívio, no entanto, não pode dar lugar à acomodação, pois a crise hídrica deixa lições importantes – e, também, um custo que ainda levará um bom tempo para ser quitado.
O sistema de bandeiras tarifárias foi criado para comtemplar as despesas adicionais exigidas pelo acionamento de usinas termelétricas quando os reservatórios das usinas hidrelétricas estão em níveis mais baixos. Enquanto a bandeira verde reflete condições favoráveis nos reservatórios, sem cobranças adicionais, a bandeira amarela traz uma sobretaxa de R$ 1,874 para cada 100 KWh consumidos, valor que sobe para R$ 3,971 na bandeira vermelha 1, e para R$ 9,492 na bandeira vermelha 2, que era o patamar mais elevado antes da adoção da bandeira de escassez hídrica.
Governo nenhum é capaz de controlar o clima, mas pode acelerar medidas que permitam ao brasileiro suportar uma eventual nova crise hídrica sem as dificuldades – e os custos – atuais
A bandeira verde não vigorava no Brasil havia mais de um ano – janeiro de 2021 foi o último mês em que ela vigorou, e o efeito foi sentido na inflação. No ano passado, a energia elétrica subiu 21,21%, contra um IPCA de 10,06%. No entanto, como muitos outros produtos e serviços incorporam os gastos com energia em seu preço final – assim como no caso dos combustíveis –, o impacto real da energia mais cara na inflação acaba sendo ainda maior. Com o fim da bandeira de escassez hídrica, o Ministério de Minas e Energia estima que, nos próximos meses, os consumidores residenciais pagarão, em média, 20% menos do que vinham pagando até agora, com um efeito positivo também sobre a inflação.
No entanto, a crise hídrica deixou uma fatura bilionária. Já em outubro de 2021 o Ministério de Minas e Energia reconhecia que nem a cobrança adicional era suficiente para cobrir todos os gastos de geração e distribuição. Somando-se o acionamento propriamente dito das termelétricas, a ajuda governamental às empresas de energia, os jabutis colocados pelo Congresso Nacional ao aprovar a privatização da Eletrobrás e os leilões emergenciais de energia, há uma conta de R$ 140 bilhões a ser paga pela sociedade nos próximos anos, em estimativa do Instituto Clima e Sociedade feita em novembro do ano passado – isso sem falar do que ainda está sendo pago para consertar os estragos da MP 579, com a qual Dilma Rousseff bagunçou o setor elétrico em 2012 sob o pretexto de baratear a energia.
Além disso, a adoção da bandeira verde não significa que o risco de uma nova crise hídrica está totalmente afastado. Os reservatórios das usinas hidrelétricas brasileiras não voltaram aos mesmos níveis de dez anos atrás: em 10 de abril, o índice do sistema Sudeste/Centro-Oeste – o principal do Brasil, cujas usinas geram cerca de 70% da energia do país – estava em 65%, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico. Um alívio, sem dúvida, se lembrarmos que a capacidade chegou a 22% no segundo semestre do ano passado, mas o valor atual ainda está sete pontos porcentuais abaixo do que era observado no mesmo sistema em 2012. Ainda que o fantasma esteja afastado, ao menos pelos próximos meses, uma nova estiagem prolongada como a que presenciamos nos últimos anos pode trazê-lo de volta. Governo nenhum é capaz de controlar o clima, mas o poder público pode aproveitar o momento favorável para acelerar medidas que permitam ao brasileiro suportar uma eventual nova crise hídrica sem as dificuldades – e os custos – atuais.
Isso exige investimento pesado na modernização das atuais usinas hidrelétricas para otimizar sua produção, mas também no melhor aproveitamento do grande potencial brasileiro para fontes como a solar e a eólica. O país está em uma janela favorável para a implantação de projetos de energia solar, já que os produtores-consumidores que optarem por este modelo até janeiro de 2023 ficarão isentos de encargos até 2045. Mas o marco legal recentemente aprovado e sancionado precisa ser o início de um movimento mais amplo, que abra de vez o mercado e incentive a competição. Um ambiente regulatório favorável poderá mitigar futuros eventos climáticos adversos e ajudar a aproveitar todo o potencial brasileiro em área tão fundamental.