(Nota da redação: O texto foi atualizado às 20h54, após o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro em cadeia nacional de rádio e televisão)
Enquanto a Amazônia sofre com as queimadas e o desmatamento que ganharam as manchetes, o debate nacional e internacional sobre o tema tem gerado muito mais fogo que luz, com a histeria superando de longe a análise serena e equilibrada. Celebridades e anônimos compartilham fotos alarmantes – muitas delas, no entanto, de anos anteriores ou de regiões diferentes do Brasil, quando não de outros países. Quando o céu da cidade de São Paulo escureceu no meio da tarde de segunda-feira, rapidamente a fumaça das queimadas foi apontada como a única ou maior responsável pelo fenômeno. Adversários do governo de Jair Bolsonaro imediatamente acusaram o presidente de ser o grande culpado pela calamidade, postura repetida por parte da imprensa internacional, como a revista britânica The Economist, que dedicou matéria de capa ao tema. O presidente francês, Emmanuel Macron, usou o Twitter para pedir ao G7 que discuta o tema – sem a participação do Brasil, presumivelmente –, também usando uma foto fora de contexto.
Incêndios florestais na estação seca não são um triste privilégio brasileiro. Ocorrem também na Europa, nos Estados Unidos, na Austrália, muitas vezes com consequências catastróficas. Mas, dito isto, é preciso olhar o que os números e os órgãos de pesquisa afirmam, e há dados suficientes para serem usados tanto por defensores quanto por detratores de Bolsonaro. É verdade, por exemplo, que o número de focos de queimada em 2019 aumentou na comparação com os últimos anos – foi a divulgação de um destes dados, relativos ao desmatamento na primeira quinzena de julho deste ano, 68% maior que no mesmo período do ano passado, que culminou com a demissão do ex-diretor do Inpe Ricardo Galvão.
O exagero e o alarmismo não se justificam e só servem a uma politização indevida do episódio, mas é evidente que o país e o mundo esperam uma resposta de Bolsonaro
No entanto, o mesmo Inpe que aponta um aumento das queimadas este ano também mostra que, considerando o total do ano até agosto, na série histórica iniciada em 1999, os dois piores anos em termos de queimadas foram 2005 e 2007, quando Lula era presidente e sua ministra do Meio Ambiente era Marina Silva. Em outro critério, o de área desmatada, outra série histórica do Inpe, iniciada em 1988, mostra que os piores números foram observados em 1995, primeiro ano do mandato de Fernando Henrique Cardoso. E foram os especialistas do instituto que rechaçaram a hipótese de a fumaça das queimadas amazônicas ser a responsável pelo céu escuro paulistano.
A agência espacial norte-americana, a Nasa, também publicou dados sobre o desmatamento e as queimadas no Brasil. As informações mais recentes do órgão apontam que os incêndios na Amazônia em 2019 estão ligeiramente acima da média dos últimos 15 anos nos estados de Amazonas e Rondônia, mas abaixo da mesma média no Mato Grosso e no Pará. O projeto Global Fire Emissions Database, que compila dados da Nasa, também corrobora os números do Inpe, apontando 2004, 2005 e 2007 como os piores anos para o desmatamento e as queimadas na região amazônica.
Erros passados, no entanto, não servem de consolo enquanto a floresta queima hoje. Assim como os índices de violência urbana caíram neste início de mandato de Bolsonaro, mesmo antes que medidas concretas nesse sentido fossem tomadas, pela mera sinalização de que o governo não toleraria a bandidagem, teria a sinalização inicial do governo, apontando para uma leniência em relação à questão ambiental, servido de estímulo aos desmatadores? É uma possibilidade ainda não comprovada, mas que não se pode descartar de todo. Mesmo assim, ainda que não haja essa relação, a resposta inicial do Planalto ficou muito longe do desejável.
Em vez de reconhecer que o problema é real e centrar esforços no combate ao fogo, Bolsonaro preferiu partir para o ataque, acusando – sem provas, como ele próprio admitiu – ONGs que atuam na região como as responsáveis pelos incêndios. Países que tradicionalmente contribuem com ações de preservação ambiental, como Noruega e Alemanha, também foram criticados. Por mais que nações desenvolvidas também tenham seus calcanhares de Aquiles na questão ambiental, figurando entre os grandes poluentes, adotando matrizes energéticas pouco limpas ou mantendo práticas criticadas por ambientalistas, os erros alheios também não servem de desculpa para a omissão brasileira, e a ajuda estrangeira em um momento como este deveria ser bem-vinda, não desprezada. Quanto a Macron – que, obviamente, está jogando para sua torcida, especialmente o setor agrícola francês, descontente com o acordo comercial assinado entre União Europeia e Mercosul –, acabou chamado de “idiota” em um vídeo do youtuber Bernardo Küster publicado no fim de 2018 e compartilhado na quinta-feira por Eduardo Bolsonaro, em um ato nada diplomático da parte de alguém que sonha em ser embaixador nos Estados Unidos.
A Economist afirmou em editorial que “o mundo deveria deixar claro a Bolsonaro que não tolerará seu vandalismo”, fazendo o jogo dos adversários do presidente. O exagero não se justifica, mas é evidente que o país e o mundo esperam uma resposta de Bolsonaro. O presidente já colocou as Forças Armadas no combate ao fogo, por meio de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem. E, em seu breve pronunciamento em cadeia nacional, deixou de lado as acusações sem provas e afirmou que não tolerará os crimes ambientais cometidos na Amazônia, da mesma forma como não tolera os crimes cometidos pelos bandidos no campo e nas cidades. O desmatamento é uma mazela nacional e, depois que as queimadas de agora forem derrotadas, todos esperamos que o esforço prometido por Bolsonaro para a proteção da floresta seja mantido e reforçado.
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