Digamos que o Congresso aprove no próximo ano o projeto que está sendo gestado nas entranhas do governo para criar uma agência reguladora da mídia. E digamos que, "por merecimento", a presidente Dilma Rousseff indique para presidir a agência o atual ministro de Comunicação Social, jornalista Franklin Martins. Afinal, pelo menos publicamente, é dele o maior esforço para a criação dessa agência.
Trata-se, ainda, de mera hipótese, mas suficientemente forte para suscitar temores quanto aos perigos a que poderão estar submetidas a democracia e as liberdades de expressão e de imprensa no país. Basta-nos, para sentir o peso dessa ameaça, o tom autoritário com que o ministro defende a ideia de impor controle sobre os meios de comunicação: "Nenhum grupo tem o poder de interditar a discussão, que está na mesa e terá de ser feita. Em clima de entendimento ou de enfrentamento", disse ele, anteontem à noite, na abertura do seminário internacional Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídias, que se realiza em Brasília.
A questão deve ser colocada sob dois níveis. Há um lado de natureza meramente técnica que, sim, não pode prescindir de algum tipo de regulação oficial, enquanto que o outro lado diz respeito ao conteúdo da informação ou do entretenimento que os meios de comunicação produzem. Esses dois aspectos merecem ser vistos e tratados de modo diferente, pois enquanto o primeiro diz respeito tão somente a questões de disciplina tecnológica, o segundo trata de valores sociais inestimáveis e intocáveis. E, neste caso, a resposta é não: não, se deve colocar nas mãos de uma agência oficial o papel de controlar tais valores.
Justifica-se a criação da pretendida agência meramente como instrumento destinado, por exemplo, a evitar a concorrência predatória dos grupos controladores das telecomunicações com os meios de comunicação social as grandes telefônicas produzindo informação jornalística. Reconheça-se que a legislação brasileira, datada dos anos 60 do século passado, encontra-se caduca. Se, à época, com telefonia incipiente e a televisão apenas engatinhando, a comunicação social se fazia com base na imprensa escrita jornais e revistas e no rádio. O cenário hoje é diferente. O satélite, a internet, a fibra ótica e o multiuso de meios abundantes, acessíveis e baratos, tornados possíveis pelo avanço tecnológico operados desde então, exigem, de fato, regras e controles mas, certamente, restritos aos seus aspectos tecnológicos.
Não há garantias, porém, de que, a pretexto de exercer tal regulação técnica e empresarial, a agência que se propõe criar não estenda seus poderes para alcançar também os conteúdos aí, sim, uma evidente ameaça a valores democráticos inegociáveis dos quais a imprensa livre (imprensa, aqui, entendida como o conjunto de todas as mídias sociais) exerce papel absolutamente necessário, indispensável.
E por que, diante da iniciativa do governo, pode-se imaginar que estamos diante de uma ameaça que deve ser evitada a todo custo? Porque vem de longe os sinais da pretensão do governo de impor limites à atuação da imprensa, tendo por principal arauto o ministro Franklin Martins. Exemplo disso foi a maratona empreendida durante a Conferência da Comunicação Social patrocinada pelo Ministério da Comunicação Social, no ano passado. Outro motivo do qual nasce o temor é o fato de também constar do programa do PT o partido que governa o país a clara intenção de impor controles que incidem sobre os direitos de opinião e pensamento.
Ao contrário do que afirma o ministro, segundo o qual seriam "infundados" os temores de que a liberdade seria cerceada, falam muito mais alto os cuidados e a resistência que a sociedade brasileira precisa impor contra qualquer tentativa de agressão de um dos bens que lhe são mais caros. Portanto, é preciso combater no nascedouro a tentativa de impor aos brasileiros um modelo tão triste e pernicioso quanto o que vigora na Venezuela de Hugo Chávez.