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Está certo que o caso do petrolão, investigado pela Operação Lava Jato, deveria ocupar as páginas policiais, mas, até por uma questão de dignidade própria, o presidente da empreiteira Odebrecht, Marcelo Odebrecht, poderia ter evitado o jargão das delegacias e das organizações criminosas. Ao prestar depoimento à CPI da Petrobras – em audiência realizada quarta-feira em Curitiba, onde se encontra preso desde junho –, o empresário afirmou não ser “dedo-duro” e que, por ser esta uma questão moral, não aceitará fazer acordo de delação premiada.

Odebrecht pode dar o nome que quiser à colaboração nas investigações. “Dedurar” até seria um bom sinônimo se o verbo for entendido como um ato de alguém disposto a desnudar as entranhas da corrupção na Petrobras e indicar os nomes de quem participava do esquema de propinas. Ressalve-se, porém, que o empreiteiro diz que não se prestará a dedurar ou a abraçar a delação premiada, visto que nem ele nem suas empresas ou funcionários tiveram qualquer participação delinquente nas relações contratuais com a Petrobras, seus servidores ou, indiretamente, com políticos.

Uma ética em que ajudar a descobrir a verdade é moralmente pior que cometer crimes ou silenciar sobre eles é uma ética torta

Dê-se ao réu o benefício da dúvida. Ainda não julgado nem condenado pela Justiça, admita-se a possibilidade de ser inocente e desconhecer os fatos arrolados nas investigações que envolvem o cartel de empresas do qual a Odebrecht faria parte – item que ele também nega. Sendo assim, de fato nem teria a quem “dedurar” e nem motivos para aderir ao instituto da delação premiada.

Entretanto, é no mínimo questionável a analogia que faz entre “dedurismo” e colaboração premiada, invocando supostos valores morais para não compactuar com nenhuma das duas formas. Ao fazer uma comparação com uma briga entre suas filhas, na qual o empreiteiro puniria com mais rigor aquela que entregou a irmã e não aquela que efetivamente fez algo errado, Odebrecht mostra valorizar o comportamento típico da omertà, aquele código de honra que obriga ao silêncio absoluto os membros jurados das organizações mafiosas. Já a delação é um instrumento legal que garante aos acusados de crimes a redução das penas a que estariam sujeitos caso suas denúncias sejam úteis e comprovadas. Mas, enquanto se dá ao silêncio uma avaliação moral positiva nas organizações criminosas, punindo-se rigorosamente o membro que o transgrida, a recusa à delação pode se constituir num ato de imoralidade na medida em que serve à proteção de outros criminosos.

Marcelo Odebrecht está bem acompanhado neste entendimento primitivo. É de autoria da presidente Dilma Rousseff – quando sua biografia foi tisnada por citações de investigados na Lava Jato – uma frase que ganhou manchetes: “não respeito delatores”. Tratou-se da mesma e proposital confusão mental, uma comparação descabida. Quando prisioneira sob tortura durante o regime militar, não delatar companheiros era (e é) um elogiável ato de altruísmo; já a delação premiada provém de um ato legal por ela mesma sancionado como forma de dar mais eficiência ao combate à corrupção e à criminalidade. Uma situação e outra devem ser medidas por réguas morais diferentes.

Não é o caso do empreiteiro encrencado na Lava Jato. Delatar ou “dedurar” – como queira entender Marcelo Odebrecht – são sinônimos que ganham o mesmo sentido moral, isto é, o de contribuir para a elucidação de fatos supostamente delituosos e a identificação de agentes públicos ou privados que eventualmente neles tenham tido participação ativa ou passiva. Uma ética em que ajudar a descobrir a verdade é moralmente pior que cometer crimes ou silenciar sobre eles é uma ética torta.

Conhecido entre os seus como “o príncipe”, o empreiteiro Odebrecht comportou-se como tal durante a sessão da CPI. Seus tortuosos conceitos sobre moralidade não causaram nenhum constrangimento aos deputados que o ouviram – pois mais convincente que seus argumentos talvez seja a generosidade com que sua empresa costuma premiar campanhas eleitorais, com doações que chegaram a R$ 100 milhões apenas no ano de 2014.

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