A comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o projeto de reforma político-eleitoral ainda não terminou seus trabalhos, mas já aprovou uma aberração, o superfundo bilionário para ajudar a bancar as campanhas com dinheiro do pagador de impostos. O texto do petista Vicente Cândido estabelece que 0,5% da receita corrente líquida da União seja destinado aos partidos nos anos eleitorais – em 2018, esse valor chegaria a R$ 3,5 bilhões. Em um país no qual falta dinheiro para tudo, os deputados creem ter o direito de colocar a mão em uma fatia ainda maior daquilo que o governo retira de cidadãos e empresas. Um absurdo evidente, mas que tem tudo para ser aprovado no plenário da Câmara.
Mais polêmica devem causar as regras eleitorais que a comissão especial aprovou e que também precisam ser submetidas ao plenário. E, a julgar pelo que está no texto, as coisas precisarão piorar antes de melhorar. A boa notícia é que, a partir de 2022, o sistema eleitoral será o distrital misto, que esta Gazeta do Povo considera ser o melhor, por aproximar eleitos de eleitores, baratear campanhas e fortalecer partidos sem transformar o parlamento em um aglomerado de interesses paroquiais, já que o voto em legenda permite que candidatos vinculados mais a causas específicas que a uma base territorial também sejam eleitos.
O “distritão”, em última análise, torna os partidos irrelevantes, o que é prejudicial para a democracia
No entanto, para chegar lá, o Brasil terá de passar antes pelo chamado “distritão”, uma regra bem simples, mas que tem vários problemas. No “distritão”, se um estado, por exemplo, tem direito a 20 deputados, os 20 candidatos que tiverem mais votos na eleição assumem a cadeira na Câmara. Atualmente, o sistema proporcional funciona com o quociente eleitoral, o número de eleitores dividido pelo número de cadeiras em disputa. A soma dos votos dados a todos os candidatos de um partido ou coligação, mais os votos em legenda, determinam quantos candidatos ele elegerá. Isso permite que candidatos de partidos bem votados sejam eleitos tendo recebido menos votos que outros, que ficarão de fora.
Ora, se no “distritão” são eleitos todos os mais votados, isso não seria um avanço na representação? Não seria o fim dos puxadores de votos, celebridades que, com votações avassaladoras, ajudam a eleger candidatos irrelevantes? De fato, mas os pontos positivos do “distritão” não compensam seus defeitos, e o primeiro deles é o de “jogar fora” todos os votos dados aos candidatos não eleitos. No sistema proporcional, o voto dado a um candidato ajuda seu partido ou coligação a atingir o quociente eleitoral, ainda que a pessoa em si não acabe eleita. Isso tem um impacto na representação: mesmo que certo candidato seja pouco votado, seu desempenho ajuda a eleger outros que teoricamente compartilham dos mesmos ideais, realizando em parte a intenção do eleitor. E, se o “distritão” desperdiça os votos nos não eleitos, praticamente inutiliza o voto em legenda, a opção do eleitor que simpatiza com um partido, mas não se vê animado a votar em ninguém em especial. O “distritão”, em última análise, torna os partidos irrelevantes, o que é prejudicial para a democracia. Além disso, o sistema deve tornar as campanhas ainda mais caras: já que os candidatos estarão “sozinhos” – ou seja, sem o apoio de companheiros de legenda para que o partido atinja o quociente eleitoral –, terão de fazer ainda mais esforços para serem votados em todo o estado, no caso dos deputados, ou em toda a cidade, no caso dos vereadores.
Nossas convicções: Voto distrital misto
Leia também: Voto, logo existo? (artigo de Thomas Korontai, publicado em 24 de maio de 2015)
Se o “distritão” enfraquece os partidos, ajuda os incumbentes, aqueles que já detêm mandato eletivo, são mais conhecidos do eleitor e saem na frente na corrida pela reeleição. E, na Câmara dos Deputados, há muita gente para quem o pleito de 2018 é praticamente questão de vida ou morte: são os investigados e denunciados por corrupção, especialmente dentro da Operação Lava Jato, que perderão o foro privilegiado caso sejam rejeitados pelo eleitor.
Tanto o voto distrital misto a partir de 2022 como o “distritão” em 2018 e 2020 só entram em vigor se aprovados por três quintos da Câmara e do Senado, com duas votações em cada casa. Em 2015, o “distritão” já foi rejeitado pelos deputados, e o melhor seria rejeitá-lo novamente, mas aprovando o voto distrital misto. Se os parlamentares acreditam que o país não está pronto para a implantação imediata do voto distrital misto, então que mantenham o sistema proporcional atual para 2018 e 2020, em vez de piorá-lo para só depois haver um avanço.
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