A capital holandesa, Amsterdã, tem aquele que é provavelmente o local relacionado ao Holocausto mais visitado em todo o mundo depois dos próprios campos de concentração: a casa de Anne Frank, a menina judia que se escondeu dos nazistas com sua família por dois anos, até serem todos descobertos e enviados aos campos de extermínio. Pois a mesma cidade viu, na quinta-feira, dia 7, um espetáculo de selvageria antissemita cometido por militantes pró-Palestina contra torcedores israelenses do Maccabi Tel Aviv, que disputou uma partida contra o Ajax, válida pela Liga Europa.
De acordo com os relatos, os torcedores israelenses foram vítimas de verdadeiras emboscadas, nas quais eram forçados a gritar “Palestina Livre” para não serem agredidos. Outras vítimas afirmaram que os agressores estavam exigindo a exibição de documentos como identidades e passaportes para separar os israelenses dos demais. As autoridades holandesas falaram em “violência sistemática”, que os manifestantes pró-Palestina “procuraram ativamente os torcedores israelenses para atacá-los e agredi-los” e que isso ocorreu “em vários lugares da cidade”. Alguns torcedores foram hospitalizados e chegou a haver relatos de desaparecidos, mas que não se confirmaram. Os manifestantes pró-Palestina haviam causado confusão com a polícia local antes da partida, devido ao cancelamento de um protesto a poucos quilômetros do estádio e que havia sido autorizado anteriormente pela prefeitura. No dia seguinte, as forças de segurança holandesas confirmaram 62 prisões, e outras dezenas de militantes foram presos no domingo após desafiar uma ordem judicial contra novas manifestações.
Em Amsterdã, israelenses foram caçados e atacados por serem israelenses. Em Fortaleza, judeus foram calados e impedidos de falar em um debate civilizado por serem judeus
Mesmo sendo verdadeiros os relatos de que torcedores mais exaltados do time israelense também tinham passado dos limites, arrancando bandeiras palestinas de edifícios, gritando insultos contra palestinos e desrespeitando um minuto de silêncio antes da partida, em homenagem às vítimas das enchentes na Espanha, é completamente inadmissível a perseguição sofrida pelos torcedores do Maccabi Tel Aviv. Não foi uma simples briga de torcidas: foi um ataque deliberado dirigido a um grupo de pessoas por serem judias ou israelenses. Antissemitismo explícito, como afirmou nas mídias sociais o primeiro-ministro holandês, Dick Schoof, que se disse “envergonhado”. O rei da Holanda, Willem-Alexander, manifestou seu “horror e choque” diante da violência, segundo declarações do presidente israelense, Isaac Herzog. Em uma coincidência macabra, o ataque aos torcedores do Maccabi ocorreu às vésperas do aniversário da Noite dos Cristais, um pogrom cometido pelos nazistas em 1938.
Dias antes, em Fortaleza, os antissemitas também atacaram ao acabar com um evento acadêmico na Universidade Federal do Ceará. Um debate sobre o conflito no Oriente Médio tinha a participação de Jawdat Abu-El-Haj, palestino e professor da instituição; Matheus Alexandre, da ONG StandWithUS, dedicada a combater o antissemitismo e a desinformação sobre Israel; e Michel Gherman, professor da UFRJ que se diz “sionista de esquerda” e é crítico ao atual governo de Benjamin Netanyahu. Algumas dezenas de militantes da Frente Cearense de Apoio à Resistência Palestina invadiram o local e causaram tumulto. Havia ao menos um cartaz com o rosto de Yahya Sinwar, líder do grupo terrorista Hamas morto recentemente por Israel.
O professor Fabio Gentile, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da universidade e que fazia parte da mesa, atestou o caráter antissemita do protesto. “Eles [os judeus Gherman e Alexandre] eram o alvo, o principal objetivo do ataque desse grupo”, disse à Gazeta, afirmando que houve uma “censura autoritária a um evento que era aberto a todos e que garantia pluralismo das posições”. O episódio também foi repudiado pela universidade, afirmando que “práticas autoritárias de censura da liberdade de cátedra e de expressões do pensamento são inaceitáveis”. A instituição também alertou para “o perigo [de] desencadear um mecanismo de autocensura no corpo docente e discente, preocupados, doravante, em evitar algumas temáticas para não provocar episódios semelhantes”, mas, infelizmente, o fato de se estudar a possibilidade de retomar o evento de forma virtual atesta que a autocensura já está em curso.
A crítica à forma como Israel conduz suas ações em Gaza e no Líbano, para livrar o país da ameaça terrorista do Hamas e do Hezbollah, é legítima. O que não é e nunca será legítimo é o recurso à violência sistemática, de qualquer natureza, contra um grupo devido à sua nacionalidade ou à pertença a um determinado grupo étnico. Em Amsterdã, israelenses foram caçados e atacados por serem israelenses. Em Fortaleza, judeus foram calados e impedidos de falar em um debate civilizado por serem judeus. São duas dimensões diferentes do mesmo mal, o do antissemitismo, cujo recrudescimento não há como tolerar em uma sociedade democrática.
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