O esquema de corrupção desvendado e combatido pela Operação Lava Jato era tão intrincado e amplo, com tantas pessoas e empresas envolvidas, que mesmo a sanha demolidora dos tribunais superiores não tem sido capaz de desmontar todo esse trabalho rapidamente. As decisões mais relevantes em termos de reversões e anulações podem já ter sido tomadas – e o principal beneficiário dessas decisões está devidamente instalado no Palácio do Planalto –, mas ainda há muitos personagens esperando por sua vez de entrar para a lista da impunidade. Alguns deles acabaram de fazê-lo, ganhando um generoso presente de Natal do STF.
Em 10 de janeiro, foi divulgada uma decisão do ministro Edson Fachin que data de 19 de dezembro do ano passado e anula as condenações do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura. Vaccari tinha sido condenado a 24 anos de prisão, acusado de receber propina de uma empresa que tinha contratos com a Petrobras; o casal de publicitários fora condenado a 8 anos e 4 meses de prisão cada um, por irregularidades na campanha presidencial de Dilma Rousseff em 2010. Fachin determinou que os processos corram na Justiça Eleitoral do Distrito Federal, afirmando que a Justiça Federal em Curitiba, onde os três haviam sido julgados, não era competente para fazê-lo.
Se não desperta surpresa, a anulação das condenações de Vaccari, Santana e Mônica deveria seguir despertando a mesma indignação de todas as decisões semelhantes
A bem da verdade, a decisão não chega a surpreender. O Supremo construiu, ao longo dos últimos anos, todo o arcabouço jurisprudencial que permitiu o enterro da Lava Jato. Ao entender que todos os crimes comuns cometidos em conjunto com crimes eleitorais deveriam ser julgados pela Justiça Eleitoral; ao inventar nulidades decorrentes da apresentação simultânea de alegações finais de réus delatores e não delatores; ao tirar da cartola a suspeição de Sergio Moro; ao retirar a competência da 13.ª Vara Federal de Curitiba para uma infinidade de processos da Lava Jato; ao considerar indubitavelmente reais supostas conversas cuja veracidade jamais foi confirmada; e ao anular todos os atos ligados aos acordos de leniência da Odebrecht, inutilizando uma série de provas, o STF deixou tudo pronto para que os réus buscassem escapar da responsabilização por seus atos, com “irregularidades processuais” aos montes que poderiam ser invocadas pelas defesas.
Se não desperta surpresa, a anulação das condenações de Vaccari, Santana e Mônica deveria seguir despertando a mesma indignação de todas as decisões semelhantes. Isso porque todo esse arcabouço que acabamos de mencionar foi construído pelo STF sem o menor lastro na lei ou nos fatos. O entendimento sobre a competência da Justiça Eleitoral, como afirmamos em 2019, até era possível, embora bastante problemático e falho conceitualmente. Todo o resto, no entanto, exigiu malabarismos jurídicos ilógicos e inaceitáveis, já que, por exemplo, o próprio STF já tinha afirmado a competência da 13.ª Vara Federal, julgamentos anulados tinham seguido à risca o Código de Processo Penal, e os argumentos para a suspeição de Moro se basearam em um circo midiático e em meras ilações, apoiadas em falácias lógicas decorrentes da decisão do ex-juiz de integrar o governo de Jair Bolsonaro.
O Brasil não pode deixar que a Lava Jato passe para a história como “um processo viciado desde o início, eivado de incontáveis ilegalidades e abusos, o qual propiciou imensas injustiças, todas irreparáveis aos acusados, os quais foram condenados injustamente”, para usar as palavras do advogado de Vaccari. Pelo contrário: a Lava Jato foi resultado de trabalho diligente e heroico, usando todo o rigor que a lei permite – e apenas o rigor que a lei permite – de dezenas de policiais e membros do Ministério Público e do Judiciário, que puxaram os fios de um elaboradíssimo esquema de corrupção montado pelo petismo com a colaboração de partidos aliados e empresas para sangrar estatais em nome de um projeto de poder. Os protagonistas do esquema confessaram e devolveram dinheiro; as sentenças foram confirmadas em outras instâncias. A injustiça não está no que foi feito antes, mas no desmonte que está sendo realizado agora.
Moraes eleva confusão de papéis ao ápice em investigação sobre suposto golpe
Indiciamento de Bolsonaro é novo teste para a democracia
Países da Europa estão se preparando para lidar com eventual avanço de Putin sobre o continente
Em rota contra Musk, Lula amplia laços com a China e fecha acordo com concorrente da Starlink