Governo anuncia medidas para ajudar na recuperação de estados atingidos por inundações; presidente visita áreas castigadas pelas chuvas; zoneamento do Vale do Itajaí poderia ter evitado tragédia, diz especialista. Esses são alguns dos títulos do vasto noticiário sobre os problemas causados por desastres naturais no país, mas o detalhe é que se referem a episódios do ano passado. Alguns deles, inclusive, previsíveis desdobramentos de tormentos e pesadelos anteriores. Essa terrível "atualidade" de notícias passadas ou até mesmo antigas reforça o descompasso entre planos, investimentos e projetos anunciados com a sua aplicação afetiva.
Com as recentes chuvas, muitos problemas ocorreriam de uma maneira ou outra, certamente, mas grande parte poderia ser evitada, contornada ou minimizada. Mais lógico e evidente, no entanto, é que pouco tem sido feito para que as cidades se antecipem aos problemas.
Por causa disso, como já foi demonstrado, investe-se mais em reparos após desastres naturais do que na prevenção de fenômenos perfeitamente previsíveis e o caso do Vale do Itajaí é um claro exemplo disso. A inversão dessa conta poderia resultar em economia de recursos e, principalmente, na preservação de vidas. Levantamento da ONG Contas Abertas, publicado recentemente pela Gazeta do Povo, mostra que, do orçamento previsto para a preparação e prevenção de desastres naturais, o governo federal investiu apenas 15%. De uma verba inicial de R$ 546 milhões, somente R$ 82 milhões tiveram o destino previsto. Diante de enchentes e desmoronamentos, o quadro mostra que se gasta mais depois do que antes de o problema acontecer. Até setembro deste ano, por exemplo, foi aplicada uma verba R$ 1,3 bilhão com as vítimas das calamidades, número quase 15 vezes maior que o aplicado em obras e outras iniciativas, como a de conscientização, visando enfrentar a fúria da natureza. A discrepância também se dá quando se compara o total destinado aos estados. No caso do Paraná, houve repasse de R$ 621 mil para ações preventivas e R$ 1,4 milhão para responder aos desastres. E Santa Catarina teve um orçamento dez vezes maior para a resposta do que para a prevenção: R$ 241 milhões contra R$ 2,5 milhões.
Para especialistas, a grande incoerência apontada é que os investimentos em prevenção são mais baratos. Nessa empreitada entram ações como mobilização dos moradores, avisos de utilidade pública, capacitação e estruturação da Defesa Civil, apoio a obras e gerenciamento de risco. Na resposta aos desastres estão o apoio financeiro, recuperação de danos e restabelecimento da normalidade no menor prazo possível.
Não se trata de desafios que persistem em algumas regiões, bastando ver a situação de alguns estados do Norte e Nordeste, onde nunca houve investimento na prevenção, caso do Maranhão e do Pará, áreas duramente afetadas por enchentes no primeiro semestre do ano. O primeiro não recebeu nada e, o segundo, a irrisória quantia R$ 2 mil. Os estados do Piauí e Roraima juntos tiveram quase R$ 300 milhões para usar depois de consumados os desastres. Para o geólogo Renato Lima, diretor do Centro de Apoio Científico em Desastres da UFPR (Cenacid), é falsa a ideia de que o país não é atingido por fenômenos naturais extremos. Daí ser preciso mudar essa cultura e investir em pesquisas científicas para que o país possa melhor conhecer as suas vulnerabilidades.