A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou na quarta-feira, por voto simbólico unânime, o texto da Proposta de Emenda Constitucional que prevê eleições diretas para a Presidência da República se os cargos de presidente e vice-presidente ficarem vagos nos três primeiros anos de mandato – pela regra atual, a eleição direta ocorre se a dupla vacância ocorrer na primeira metade do mandato. A discussão travada dentro da comissão, no entanto, dá esperanças de que o elemento casuísta da PEC – a oposição gostaria de vê-la aprovada para emplacar uma eleição direta caso Michel Temer renuncie, sofra impeachment ou cassação no Tribunal Superior Eleitoral – seja afastado.
A votação na Comissão de Constituição de Justiça, como o próprio nome diz, é mais uma análise técnico-jurídica: trata-se, em primeiro lugar, de ter certeza de que os projetos de lei avaliados pela comissão não firam a Carta Magna, embora os aspectos políticos sempre tenham peso nos debates. O relator da PEC, o petista Lindbergh Farias, havia acrescentado ao texto original um artigo segundo o qual “esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação, não se aplicando o disposto no art. 16 da Constituição Federal”. O artigo citado é o que determina o princípio da anualidade: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. Ou seja, a “PEC das Diretas” não valeria caso Temer caísse no prazo de até um ano depois de sua eventual aprovação, mas o texto de Lindbergh pretendia contornar essa limitação.
Como poderia ser constitucional uma proposta que pretendia explicitamente suspender um artigo da Constituição?
O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) denunciou o truque: como poderia ser constitucional uma proposta que pretendia explicitamente suspender um artigo da Constituição, ainda mais um artigo referente aos direitos políticos, classificados dentro dos direitos e garantias fundamentais? Tendo de encarar a realidade, Lindbergh recuou e manteve a proposta original, sem o artigo de sua autoria. Mesmo assim, em entrevistas, o senador petista demonstrou convicção de que, se a PEC for aprovada, a eleição direta se aplicaria mesmo se Temer cair ainda em 2017, nem que fosse preciso recorrer ao Judiciário para tal.
Mas a esperança de Lindbergh esbarrará na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, citada por Ferraço na sessão da CCJ. A corte suprema tem defendido o princípio da anualidade em várias de suas decisões, afirmou o senador capixaba, e não seria diferente dessa forma. Por isso, quem deseja ver eleições diretas se Temer deixar a Presidência acaba forçado a recorrer a outras linhas de argumentação. Uma delas vem de uma decisão recente do Tribunal Superior Eleitoral.
No início de maio, a corte eleitoral impugnou a chapa vencedora da eleição para governador do Amazonas. José Melo e seu vice, Henrique Oliveira, perderam os diplomas após o TSE considerar procedentes as acusações de compra de votos. Na mesma ocasião, o tribunal decidiu que a eleição para substituí-los deveria ser direta, mesmo com a vacância dupla ocorrendo na segunda metade do mandato. Esse entendimento se baseia no artigo 224 do Código Eleitoral, que prevê eleição direta se a vacância ocorrer antes do último semestre de mandato.
Opinião da Gazeta: O caminho está na Constituição (editorial de 23 de maio de 2017)
Leia também: Indiretas já! e Eleições diretas ja! (Sínteses: e se Temer cair?)
A cassação pelo TSE é justamente uma das maneiras pelas quais Temer pode perder seu mandato – o julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer será retomado pelo tribunal eleitoral no dia 6. O que vale para o governo do Amazonas não poderia valer para a Presidência da República? A resposta é simples: a Constituição prevalece sobre o Código Eleitoral, e ela é explícita a respeito das vacâncias na Presidência e Vice-Presidência da República, nada dizendo sobre outros cargos executivos, de governadores ou prefeitos. Para estes, aplica-se o Código Eleitoral, mas, para o chefe do Executivo federal, vale o que está na Constituição, ou seja, eleição direta se os cargos ficarem vagos nos dois primeiros anos, e eleição indireta se a vacância ocorrer na segunda metade de mandato.
Em outras ocasiões, já afirmamos que este não é o momento para se discutir esse tipo de PEC; o ideal seria fazê-lo em momentos de absoluta normalidade institucional. Ainda que seja positivo o fato de os parlamentares estarem atentos para repelir o casuísmo, a aprovação do texto, a esta altura, certamente forçará uma judicialização do tema por parte daqueles que desejam ver a mudança valer para Michel Temer. Levar o caso ao STF, no entanto, apenas prolongaria a instabilidade e a crise política – tudo de que o país não precisa no momento.
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