Fiel à tradição brasileira segundo a qual basta aparecer alguma inovação nas relações de consumo ou de trabalho para algum parlamentar procurar sufocar a atividade por meio de muita regulamentação, o Senado deve votar nesta terça-feira o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 28/2017, de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP). O texto disciplina o transporte individual privado de passageiros e, se aprovado, tem tudo para inviabilizar o serviço oferecido por aplicativos como Uber e Cabify.
O PLC 28 não é o único texto que tramita no Congresso sobre o tema; há, ainda, dois projetos surgidos no Senado: o PLS 726/2015, do senador Lasier Martins (PSD-RS), e o PLS 530/2015, de autoria de Ricardo Ferraço (PSDB-ES). Mas o texto vindo da Câmara – e que passou a tramitar em regime de urgência, aprovado na semana passada por 46 dos 54 senadores presentes à sessão – é, de longe, o que mais ameaça a livre iniciativa. Entre outros aspectos, ele exige autorização específica do poder público municipal para os motoristas (que pode ou não ser concedida), o uso de placas vermelhas (a exemplo dos táxis) e a necessidade de o motorista ser dono do veículo (impedindo o uso compartilhado entre familiares e amigos, ou o uso de veículos alugados).
Dos textos sobre o assunto que tramitam no Congresso, o PLC 28/2017 é, de longe, o mais nocivo
A livre iniciativa é considerada, pela Constituição Federal, fundamento da ordem econômica brasileira, de acordo com o caput do artigo 170. Além disso, o artigo 5.º, inciso XIII, afirma que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Em decisão exemplar de agosto de 2015, contra uma tentativa de proibir o Uber no Rio de Janeiro, o juiz Bruno Vinicius Bodart afirma que “todos os indivíduos podem optar por exercer ou não determinada atividade econômica, com a garantia de que o Estado não poderá limitar ou proibir arbitrariamente o ingresso de novos agentes no mercado”. Limitações a esse direito só se justificam em casos muito graves (pensemos, por exemplo, na exigência do diploma universitário para médicos). Daí a possibilidade de que, se aprovado e sancionado, o PLC 28/2017 possa até mesmo ser considerado inconstitucional, caso o Judiciário seja provocado a se pronunciar sobre o assunto.
Ressalte-se que o relator da proposta na Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, Pedro Chaves (PSC-MS), recomendou a rejeição tanto dos PLs 28/2017 quanto do 726/2015, pedindo a aprovação do PLS 530/2015, na forma de um substitutivo bem mais amigável à livre iniciativa e à concorrência, aproveitando apenas alguns itens dos demais projetos, rejeitando a exigência de placas vermelhas, limitações ao número de motoristas ou à entrada de novos aplicativos, bem como restrições ao uso de veículos de terceiros ou alugados, e mantendo, em relação aos motoristas e à operação dos aplicativos, exigências mínimas que garantam a idoneidade e a segurança dos prestadores do serviço. Tudo indica, no entanto, que as recomendações passarão em branco.
Nossas convicções: Livre iniciativa
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Além de parlamentares contaminados pela mentalidade hiper-regulamentadora, o PLC 28/2017 tem apoio avassalador dos taxistas, os principais afetados pela onda dos aplicativos. Compreende-se a preocupação com o futuro da atividade de onde tiram seu sustento e na qual, muitas vezes, esses profissionais fizeram investimentos de vulto. No entanto, lamentamos que a maneira escolhida para tal, em vez de pedir menos amarras estatais a seu trabalho, seja a inviabilização da concorrência e a defesa intransigente da reserva de mercado.
“Não mais tendes o direito de invocar os interesses do consumidor. Pois sempre que o interesse deste se viu em confrontação com o do produtor, sacrificastes sempre o próprio consumidor”, diz a Petição dos fabricantes de velas, texto satírico do economista liberal Fréderic Bastiat em que se pedia aos parlamentares franceses que, em nome da indústria nacional de fabricação de velas, fossem proibidas janelas, claraboias e quaisquer aberturas por onde o sol pudesse entrar nas casas, já que a iluminação natural praticava “concorrência desleal” contra as velas, lampiões e outros métodos de iluminação artificial. Os senadores brasileiros ainda podem escolher se confirmam o profético texto de 1845 ou se respeitam a livre iniciativa e o consumidor.
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