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Editorial

Após o disparate, o recuo

 | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
(Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo)

Caiu tão mal o balão de ensaio lançado pelo governo a respeito do uso do FGTS como seguro-desemprego que o presidente Michel Temer mandou enterrar a ideia apenas alguns dias depois de divulgada. Na sexta-feira, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, confirmou rumores já publicados na imprensa, segundo os quais o governo estudava uma espécie de “parcelamento”: o trabalhador demitido sem justa causa – situação que permite o saque integral do FGTS, mais multa de 40% – só poderia pedir o seguro-desemprego depois de três meses sem trabalho: antes disso, receberia mensalmente o equivalente a seu último salário antes da demissão, mas esse dinheiro sairia da própria conta de FGTS do trabalhador, que só sacaria o saldo total depois desses três meses, ou se conseguisse um novo emprego dentro desse intervalo . A vantagem para os cofres públicos é óbvia: se o cidadão se recolocar em até 90 dias depois da demissão, o governo não gasta um centavo de seguro-desemprego, pois o benefício, na prática, seria pago pelo próprio trabalhador. Em reunião com Meirelles, outros ministros e parlamentares da base aliada, neste domingo, Temer decidiu que a proposta não deve seguir adiante.

Dadas as circunstâncias, chega a ser inacreditável que o governo tenha pensado em algo desse tipo. A reforma trabalhista está para ser aprovada no Senado e, embora ela não altere direitos trabalhistas, muito menos aqueles garantidos pela Constituição, o Planalto tem tido uma enorme dificuldade em mostrar isso à população, convencida por uma retórica exagerada – quando não simplesmente falsa – da oposição, que usa o slogan “nenhum direito a menos” para levar o cidadão a acreditar que a reforma mexeria, sim, nos direitos do trabalhador. E justamente nessa hora o governo lança uma proposta que altera exatamente os direitos previstos nos incisos II e III do artigo 7.º da Constituição. Fazer isso é atualizar as definições de “tiro no pé”.

O FGTS tem sido alvo de severas críticas especialmente por seus rendimentos pífios

Como bem explicou o editor da Gazeta do Povo Guido Orgis, FGTS e seguro-desemprego são itens separados, cujos recursos vêm de fontes separadas, e por isso misturá-los seria a pior solução possível, o que não significa ignorar que ambos têm problemas e podem ser aperfeiçoados. É preciso, por exemplo, usar de forma mais racional o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), cujos recursos são oriundos principalmente do PIS-Pasep e que banca o seguro-desemprego. Ou, ainda, implantar formas de beneficiar o trabalhador que busque aperfeiçoamento e se mostre disposto a conseguir a recolocação – algumas delas já existem, mas não estão sendo aplicadas, como a retirada do benefício caso o desempregado rejeite uma oferta de trabalho feita pelo Sistema Nacional de Empregos (Sine) ou se recuse a fazer cursos de capacitação, no caso de pessoas que costumam recorrer ao seguro-desemprego com frequência.

Já o FGTS tem sido alvo de severas críticas especialmente por seus rendimentos pífios, quase sempre abaixo da inflação e da caderneta de poupança, resultado da opção governamental de deixar a gestão do dinheiro a cargo do próprio Estado. Ainda que haja mérito na ideia de se formar uma poupança para emergências como uma demissão ou outras circunstâncias que permitem o saque do fundo, como uma doença grave, a prática mostra que o sistema padece de um sério engessamento. A reforma trabalhista busca corrigir, em parte, essa situação ao permitir saques em caso de rompimento de contrato de trabalho acertado entre patrão e empregado, regularizando o que já ocorre hoje, de forma camuflada, nos chamados “acordos” em que o trabalhador é demitido sem justa causa, mas devolve à empresa a multa de 40%. Afinal, nem sempre é preciso que ocorra uma catástrofe para que o acesso a essa poupança seja necessário ou conveniente.

A situação das contas do governo federal é dramática, mas não se coloca a casa em ordem com medidas de constitucionalidade duvidosa e que impõem mais um ônus ao trabalhador da iniciativa privada, que já tem sido o principal convocado a pagar a conta no caso de outras reformas, como a da Previdência.

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