A recepção oferecida no Nordeste e em Brasília à blogueira cubana Yoani Sánchez mostra que o apreço à liberdade de expressão não é exatamente uma característica de muitos setores da esquerda

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Em Cuba, país que só conheceu o telefone celular em 2008 e onde apenas 22% da população tem acesso (controlado) à internet, a filóloga Yoani Sánchez é pouco conhecida. É no exterior que o blog semiclandestino que mantém – o Generación Y – alcança repercussão e prêmios. Nele, faz críticas ao regime dos irmãos Castro, denuncia perseguições a dissidentes políticos e reclama da censura e da falta de liberdade de expressão.

Por sua luta pela instauração da democracia na ilha, não lhe faltam simpatizantes em muitos países do mundo, assim como se multiplicam os convites para participar de eventos internacionais. A grande dificuldade que teve de vencer foi a de obter autorização do governo para viajar para atender a um desses convites: foi só após cinco tentativas negadas que conseguiu sair de Cuba pela primeira vez, tendo o Brasil por destino.

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Ao desembarcar no Recife na última segunda-feira, aconteceu o inusitado: foi recebida sob protestos ruidosos por um grupo de manifestantes inconformados com sua presença. Repetiu-se no dia seguinte, na Bahia, a mesma fúria – no sentido literal da palavra – dos que não admitem críticas à ditadura castrista. A violência provocou até mesmo o cancelamento da apresentação de um documentário produzido por um cineasta brasileiro, à qual se seguiria um debate com Yoani. Temendo por sua integridade física, a polícia foi acionada para dar-lhe segurança pessoal e permanente.

Yoani Sánchez não poderia ter sido mais elegante e mais inteligente em sua primeira declaração diante dos protestos: declarou-se feliz por estar em um país cuja democracia garante a liberdade de manifestação política a que assistia, diferentemente do que ocorre em Cuba. E, de fato, nada mais fizeram os autores dos atos de protesto que dar-lhe plena razão.

Independentemente de boatos sobre as verdadeiras motivações de Yoani – que ora é uma agente a serviço da inteligência norte-americana, ora é parte de um teatro encenado pela ditadura cubana, dependendo da teoria da conspiração da preferência de cada um –, é vergonhoso o cerceamento da liberdade de expressão ocorrido em solo brasileiro. Opiniões segundo as quais a coerção imposta à blogueira cubana seria legítima, pois não chegou a haver violência física (tal ideia foi defendida, por exemplo, pelo jornalista Breno Altman, editor do site Opera Mundi, no programa Entre Aspas, do canal Globo News), abrem um precedente ainda mais perigoso: o de que é aceitável impedir alguém de se expressar, desde que não se desfiram socos ou pontapés, facadas ou tiros. Pensar assim reflete uma visão reducionista do conceito de violência, que se restringiria apenas à agressão física, quando a violência hoje se manifesta de diversas outras formas.

Em meio a tais episódios, outro fato que não chega a merecer qualquer sensação de surpresa: funcionários do governo brasileiro estariam também agindo no sentido de demonstrar desagrado em relação à presença de Yoani e até colaborando na difusão de um dossiê para desmoralizá-la. Entre os "crimes" da blogueira estariam frequentar praias e tomar cerveja – atitudes que só não estão amplamente difundidas entre os cubanos graças à miséria em que são mantidos pela ditadura castrista.

Não chega a surpreender essa colaboração entre governos – afinal, não faz muito tempo, sob o ex-presidente Lula, dois atletas da delegação cubana que participava dos Jogos Panamericanos, no Rio, procuraram asilo no Brasil. Não só lhes foi negado o refúgio (um direito sagrado e respeitado pelos países que prezam a liberdade e a vida dos que sofrem perseguição) como sumariamente foram devolvidos ao seu país... Também por isso não surpreende que ontem, em Brasília, deputados da base aliada e simpatizantes do regime cubano tenham oferecido uma versão light dos episódios de Pernambuco e da Bahia ao tumultuar, aos gritos, a sessão da Câmara a que Yoani assistia.

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Lastimável, pois, sob todos os aspectos, que o Brasil tenha oferecido este contraditório e indigente espetáculo ao mundo. A recepção a Yoani Sánchez não condiz com os tempos de liberdade e de respeito ao pluralismo que pensávamos consolidados no país desde o fim da ditadura militar, há quase três décadas.