Na quinta-feira, o presidente Michel Temer assinou o decreto que autoriza o início dos estudos para a privatização da Eletrobras, estatal que hoje é responsável pela geração de um terço da energia elétrica gerada no país. De acordo com o Projeto de Lei 9.463/18, que tramita no Congresso Nacional, a privatização não ocorrerá pela venda da parte do governo na empresa, e sim pela emissão de novas ações de forma que a União se tornará acionista minoritária – na prática, passando o controle da Eletrobrás para o conjunto dos demais acionistas (com exceção da parte brasileira de Itaipu e das geradoras de energia nuclear, que permanecerão sob controle federal). No entanto, o decreto, que o governo vendeu como um sinal de concórdia entre Executivo e Legislativo, coloca a privatização em um futuro cada vez mais distante.
Ocorre que, de acordo com o decreto, os estudos para a privatização só podem ocorrer depois que o PL 9.463 for aprovado. Foi isso que levou o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, a dizer que o texto mostra a intenção do Executivo de não passar por cima do Legislativo. O ministro chegou a dizer que esperava ver o Congresso aprovar a privatização até junho, para o leilão ocorrer ainda neste ano, ignorando o fato de a privatização enfrentar forte resistência no Legislativo, onde segue estacionado em uma comissão especial da Câmara dos Deputados.
Cargos que deveriam ser preenchidos por técnicos acabam parando nas mãos de apadrinhados
Essa resistência não vem apenas dos partidos de esquerda, tradicionais opositores de qualquer privatização, que eles logo associam a um fictício “entreguismo”, esquecendo de todos os resultados benéficos que vieram mesmo de privatizações que poderiam ter sido melhor executadas, como as das telecomunicações. Também os partidos do governo se levantam contra a possibilidade de o governo deixar de ser o controlador da Eletrobrás. As bancadas mineira e nordestina, em especial, já se articularam “em defesa” de Furnas e na Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), respectivamente, e já criaram frentes parlamentares suprapartidárias para se opor ao PL 9.643.
As duas bancadas têm número suficiente para bloquear a aprovação do projeto, mas nem de longe pode-se dizer que estão brigando para que Furnas ou a Chesf tenham uma gestão primorosa e ofereçam serviços comparáveis às melhores empresas do setor a seus clientes: trata-se única e exclusivamente de garantir a possibilidade de fazer nomeações políticas. Cargos que deveriam ser preenchidos por técnicos que sabem no que estão trabalhando acabam parando nas mãos de apadrinhados que muitas vezes não têm a menor ideia da área que passam a gerenciar; o que importa, no fim das contas, são os orçamentos e as obras que se pode contratar com determinada caneta na mão. Foi exatamente essa, aliás, a receita para o petrolão, e a Eletrobrás também já entrou na mira da Lava Jato e seus desdobramentos, além de ter reportado perdas de mais de R$ 300 milhões em 2016 devido à corrupção.
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A passagem do setor elétrico – um dos mais prejudicados pelo voluntarismo de Dilma Rousseff – para a iniciativa privada não é apenas um meio de combater a corrupção e o desperdício provocados pela ingerência política. Trata-se de uma questão de princípio: há muitas áreas em que, dentro do espírito da subsidiariedade, a gestão privada é a ideal, com o Estado prestando um papel de regulador e fiscalizador, quando necessário, e não de administrador direto. A oposição à privatização da Eletrobrás reúne tanto aqueles movidos pela convicção estatizante que se opõe frontalmente a essa mesma subsidiariedade quanto aqueles que simplesmente temem perder influência política, duas “filosofias” que frequentemente se unem para manter o Brasil no atraso.