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Editorial

A irresponsabilidade fiscal avança no Senado

Comissão de Constituição e Justiça do Senado realizou sessão extraordinária nesta terça (6) para discutir PEC fura-teto. (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad)

Era certo que o cheque quase trilionário pretendido por Lula para bancar promessas de campanha seria mitigado durante a tramitação da PEC fura-teto no Congresso. A proposta foi recebida com uma saraivada de críticas e havia propostas alternativas mais sensatas sobre a mesa. Mas, como no ditado popular, a montanha pariu um rato – e um rato bem disposto a roer as contas públicas até que não sobre nada.

Pouca coisa mudou no substitutivo do relator da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Alexandre Silveira (PSD-MG), que era tão irresponsável do ponto de vista fiscal quanto a proposta original. O valor da “folga” pretendida por Lula, de quase R$ 200 bilhões por ano, estava praticamente mantido; apenas o prazo foi reduzido, de quatro para dois anos. Na verdade, a proposta de Silveira era ainda mais condescendente com o impulso gastador do petismo: se originalmente o plano era deixar explícito que a rubrica extrateto seria o Bolsa Família, no substitutivo simplesmente acrescentava-se centenas de bilhões de reais ao teto para que o governo gaste como bem entender. E aqui fica ainda mais evidente o tamanho do estrago que pode ocorrer se algo assim prosperar, mesmo na versão aprovada na CCJ, que reduz o rombo em meros R$ 30 bilhões.

Que o Congresso esteja considerando a possibilidade de entregar R$ 150 bilhões por ano a Lula sem nenhuma contrapartida concreta faz do atual Legislativo cúmplice da irresponsabilidade total e do terraplanismo orçamentário do futuro chefe do Executivo

A pretensão de que a partir de 2025, quando deixar de valer a licença extraordinária, o governo volte a gastar apenas os valores atuais corrigidos pela inflação, como determina a regra do teto de gastos, é irreal. Com um Orçamento extremamente engessado como o brasileiro, em que o limite de despesa discricionária já está abaixo dos R$ 100 bilhões, onde haveria R$ 150 bilhões, ou mesmo metade disso, para cortar no Orçamento atual e dar lugar para as despesas que serão temporariamente custeadas com o waiver sugerido por Silveira? O risco de haver a necessidade de novas gambiarras para demolir o teto de gastos é enorme, especialmente se Lula usar essa folga temporária para contratar despesas que serão permanentes – o próprio aumento do Bolsa Família é uma delas, já que não se imagina que o petista reduzirá o benefício para R$ 400 daqui a dois anos; mas há outras formas de perpetuar gastos, por exemplo concedendo reajustes ao funcionalismo.

A quase certeza de que o temporário se transformará em permanente – com todos os efeitos desastrosos que isso terá para a dívida pública ou para a inflação – é reforçada porque o próximo governo não tem absolutamente nada para mostrar além de promessas vagas do vice Geraldo Alckmin de que haverá responsabilidade fiscal no próximo mandato. Não há plano para controlar a dívida pública ou a inflação, não há perspectiva de reforma administrativa – na verdade, não há nem ministro da Fazenda ainda. Que o Congresso esteja considerando a possibilidade de entregar R$ 150 bilhões por ano a Lula sem nenhuma contrapartida concreta (pois o máximo que está incluído na PEC é a previsão de que o governo envie projeto de um novo arcabouço fiscal até agosto de 2023) faz do atual Legislativo cúmplice da irresponsabilidade total e do terraplanismo orçamentário do futuro chefe do Executivo.

De todas as propostas que haviam sido feitas, considerando que o furo no teto seria inevitável, certamente mereciam mais consideração as dos senadores tucanos Alessandro Vieira e Tasso Jereissati. Ambas previam um cheque bem menor, de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões, contemplando o necessário para o aumento do Bolsa Família, e válido apenas para 2023; na sugestão de Vieira, o Congresso ficaria obrigado a aprovar uma nova âncora fiscal até julho do próximo ano; na de Jereissati, esse valor extraordinário seria formalmente incorporado ao teto de gastos em 2024, e a partir daí a regra voltaria a funcionar como de costume, sem novos truques orçamentários. Poderíamos até admitir que o valor fura-teto para o próximo ano fosse ligeiramente maior, em torno de R$ 100 bilhões, para eventuais recomposições necessárias, mas especialmente importante seria a previsão de retomada do ajuste fiscal.

Com a aprovação na CCJ, a PEC fura-teto irá ao plenário do Senado já nesta quarta-feira. Se ainda restar um mínimo de responsabilidade dos senadores com o dinheiro público, o texto tem de ser rejeitado, ou ao menos bastante modificado para que o cumprimento de promessas de campanha seja feito sem destruir de vez a saúde fiscal brasileira – o que prejudicará especialmente os mais pobres – e com um compromisso de ajuste fiscal muito mais concreto que as promessas vagas feitas até agora.

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