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Pesquisa mostra que se vendem menos livros no Brasil. A culpa é do governo, que teria vacilado na manutenção da política paternalista de compra de material didático

Ao lado do boitatá e da mula-sem-cabeça, a participação do governo federal no mercado de livros no Brasil é uma lenda. Já se chegou a dizer – quase num coro de anjos – que 60% do desempenho do setor vem das compras do patrão. Não é bolinho: se assim for ou assim fosse como vociferariam os incrédulos, os já magricelas índices de leitura do país beiram a inanição. Pois uma coisa é tirar dinheiro do bolso para comprar um romance, outra é recebê-lo de graça na estante da escola.

É assunto que desperta paixões. Milhões dirão que não há nada de mau nisso. De fato, o paternalismo estatal remonta aqui pelo menos a 1808, quando a Imprensa Régia passou a imprimir os livros que seriam usados na escola. Por tabela, a escola passou a decidir o que deveria ser lido, e em que ordem, contribuindo assim para a morte do leitor, nunca para sua promoção e autonomia.

Hoje não é muito diferente, como se sabe, com a agravante de que o mercado livreiro quebraria as pernas sem o caixa do governo, seu maior cliente. Em dois séculos, essas relações editoriais, inclusive, se estreitaram e sofisticaram, de modo que da missa só se sabe a metade. Probleminha? Problemão.

Pelo meio do caminho desse casamento por interesse ficam os livreiros – sim, é melhor ser dono de açougue que de livraria, um negócio de alto risco; os autores, que recebem menos em negociatas que envolvem caridade em prol da educação; e o público, que encontra mais um motivo para perpetuar a má educação. Ele evita pôr a mão no bolso para aquecer o mercado da cultura, acostumado que está em achar que isso é assunto do Olimpo, o que funciona em Brasília. Melhor comprar carros.

Uma recém-publicada pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) mostra que basta um espirro do governo para que o mercado editorial sofra abalos sísmicos. Foi feio. De 2011 para 2012 a compra de livros no Brasil encolheu 7,3%. Ano passado foram vendidos 435 milhões de exemplares, contra 470 milhões do ano anterior. O faturamento, de R$ 5 bilhões, foi abaixo da inflação. E a culpa seria lá de cima: em um ano se comercializaram menos 11% de livros didáticos. Pior que isso, apenas o setor de livros religiosos e de autoajuda, que beija a lona com queda de 19%.

Ganha um doce quem descobrir por que o setor esotérico anda em baixa. Talvez valha a pena mostrar que produtos para os leitores de escolaridade baixa estão sempre na gangorra. A relação desse público com a cultura é rarefeita por natureza. Ou considerar que alguns nichos fluem e refluem, sem que o vaivém deva tirar o sono de alguém. São colheitas e ponto. Quem faz jornalismo popular, no Brasil, bem o sabe. O leitor tem de ser mantido onde está – mas o leitor vai para onde quer, inclusive para longe dos produtos de leitura. Quanto à ausência do governo provedor no cumprimento de suas obrigações com as editoras, paira o mistério.

Em artigo à imprensa, a escritora Ana Maria Machado preferiu a tese da normalidade e do fluxo de mercado. O governo alterna suas compras entre segmentos escolares. Num ano, por exemplo, pode atender mais o público adolescente, que é menor que o infantil. Daí a diminuição de exemplares. Mas, qualquer que seja a variação para o tema, fica expresso que essa simbiose não faz bem à floresta.

De uma década para cá, alardeou-se que o mercado editorial brasileiro virara a menina dos olhos dos estrangeiros. Que os avanços na escolarização fariam do Brasil um eldorado para livreiros dos quatro costados. Agora resta a impressão de que não era bem assim, como se os tempos do Império não tivessem acabado. O ritual da escolha do livro didático continua sendo a alma de um país em que a leitura é miseravelmente escolarizada.

É bom lembrar que o mercado livreiro não é assunto para amadores. Há tantas variantes quantos livros numa boa estante. O mesmo se diga do mercado leitor. Em geral, as pesquisas nascem de demandas do setor produtivo, interessado em saber se investe no livro digital (ainda uma quirerinha), nessa ou naquela tendência, de modo a escolher o que cabe nos quase 58 mil títulos publicados a cada ano. Falta-nos, infelizmente, análise mais graciosa sobre o que leem e como leem os brasileiros. É dado sociocultural determinante para a economia. Mas esse mérito ficou para os automóveis, que pena.

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