Pouco mais de um ano atrás, em 18 de fevereiro de 2014, o líder oposicionista venezuelano Leopoldo López foi preso, por ordem do governo do ditador Nicolás Maduro. Ele foi acusado de terrorismo, homicídio e incêndio de edifícios públicos na verdade, seu "crime" foi ter liderado os protestos de rua contra o governo chavista. A prisão foi criticada pelas principais organizações internacionais de direitos humanos, como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, e até hoje López não foi julgado por seus supostos delitos. Em vez de aproveitar a passagem do primeiro aniversário daquele ato arbitrário para corrigir a injustiça, Maduro decidiu colocar na cadeia outro opositor: o prefeito de Caracas, Antonio Ledezma. Cerca de 15 agentes da inteligência venezuelana, encapuzados, entraram na sede do partido de Ledezma, na capital do país, e o levaram na quinta-feira.
Na noite do dia 19, Maduro foi à televisão justificar a prisão. Ledezma responderá por "delitos contra a paz", e o ditador deu a entender que o prefeito estaria envolvido em uma tentativa de golpe de Estado que teria sido desarticulada pelo serviço secreto do país. O chavista Jorge Rodríguez, prefeito de uma cidade da região metropolitana de Caracas, e o presidente do Legislativo venezuelano, Diosdado Cabello, não tiveram dúvidas em apontar os conspiradores: além de Ledezma, também seriam golpistas o deputado Julio Borges, a ex-deputada Maria Corina Machado e o ex-embaixador Diego Arria.
Na verdade, só o que existe é um manifesto publicado em 11 de fevereiro no jornal El Nacional. No "Chamado aos venezuelanos para um acordo nacional de transição", Ledezma, López e Maria Corina pedem, entre muitas outras coisas, o restabelecimento das liberdades democráticas, da independência entre os poderes e do respeito à propriedade privada com a reversão (quando possível) das estatizações forçadas , além da realização de eleições "livres e absolutamente transparentes" e do início de um processo de reconciliação nacional. Foi esta convocação, feita às claras, que Maduro entendeu como "conspiração golpista" que daria suporte à ordem de prisão. Maria Corina não foi presa, mas está impedida de sair do país há algum tempo e já foi vítima de várias agressões de milícias bolivarianas.
As prisões arbitrárias por motivos políticos só servem para reforçar a convicção de que a Venezuela há muito tempo deixou de ser uma democracia para se converter em uma ditadura em que eleições, parlamento e Justiça são apenas elementos decorativos. Mesmo as Forças Armadas, apesar de sua lealdade ao governo, precisam conviver com as milícias, um aparato paralelo à estrutura formal de exercício da força.
Durante os protestos de 2014, Ledezma enviou uma série de mensagens à presidente Dilma Rouseff pelo Twitter. Em uma delas, o prefeito de Caracas lembrava que Dilma havia sido perseguida pela ditadura militar, e por isso ele esperava dela solidariedade para com os venezuelanos perseguidos injustamente por Maduro. A resposta foi o silêncio. Coincidência ou não, na manhã de sexta-feira, com Ledezma já preso, Dilma recebeu as credenciais da nova embaixadora da Venezuela no Brasil (mas recusou as do diplomata indonésio, em meio à polêmica sobre a execução de brasileiros condenados por tráfico de drogas) e não quis comentar o caso, alegando que o Brasil não interfere em assuntos internos de outros países uma meia verdade, pois o critério de interferência é a situação dos aliados ideológicos do PT. Quando eles são as "vítimas", como em Honduras e no Paraguai, o governo não pensa duas vezes antes de agir. Quando são eles que cometem injustiças, o Brasil fecha os olhos.
O mesmo deve ocorrer no âmbito do Mercosul, que, no episódio do impeachment de Fernando Lugo, alegou violações da cláusula democrática do bloco para suspender o Paraguai e, com isso, abrir caminho para a entrada da Venezuela no grupo. Já naquela época o regime de Hugo Chávez não podia mais ser considerado democrático, o que não foi empecilho para Dilma, Cristina Kirchner e Pepe Mujica aceitarem a Venezuela. Agora, as violações são ainda mais claras, e mesmo assim os únicos a se manifestarem foram ex-presidentes: Sebastian Piñera, do Chile, e os colombianos Álvaro Uribe e Andrés Pastrana. Esta é uma situação em que a omissão acaba se tornando cumplicidade.
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