O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conseguiu a façanha de colocar em risco a votação do arcabouço fiscal na Câmara ao se queixar, em entrevista, do fato de existir um Poder Legislativo independente que não atenda imediatamente a todas as vontades do Poder Executivo – não usou essas palavras, evidentemente, preferindo falar de um “poder muito grande” da casa legislativa. Muitos “esclarecimentos” depois, as arestas foram aparadas e, nesta terça-feira, o Brasil ganhou uma nova âncora fiscal em substituição ao teto de gastos. O resultado final não saiu totalmente como Lula e Haddad gostariam, mas ainda assim eles não têm do que reclamar.
A versão original do arcabouço aprovada pela Câmara em maio já era bem branda: garantia o aumento real das despesas independentemente do desempenho econômico do país, e previa uma série de exceções à regra, com gastos que não estariam no limite da âncora fiscal. Além disso, as sanções em caso de descumprimento das metas de resultado primário eram bastante leves, com no máximo algumas medidas de contenção de despesas; para incorrerem em crime de responsabilidade, os gestores teriam de cometer muitas barbeiragens e insistir nelas após uma série de alertas. Em junho, o Senado aprovou uma versão piorada do arcabouço, aumentando ainda mais a lista de despesas que ficam fora da regra fiscal.
O arcabouço, da forma como está aprovado, com as várias exceções à regra, já não é uma ferramenta muito sólida; sem redução de despesas, torna-se ainda menos crível
Algumas das mudanças feitas no Senado foram revertidas na Câmara durante a votação da terça-feira – no entanto, as exceções abertas para o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) foram mantidas. Já uma emenda de autoria do senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) e que daria ao governo uma folga adicional de até R$ 40 bilhões no Orçamento de 2024 foi derrubada pelos deputados; por mais que até o PT tenha votado contra a emenda, graças a um acordo de lideranças, Lula e Haddad ainda não desistiram de buscar esse espaço adicional por meio de uma mensagem modificativa ao Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024.
Cumprida a primeira parte da missão, o governo parte agora em busca da segunda parte: achar maneiras de arrancar pelo menos mais R$ 100 bilhões do pagador de impostos brasileiro para atingir a meta de resultado primário prevista para o ano que vem. O governo recuou da ideia de tributar rendimentos no exterior por medida provisória – a cobrança estava na MP que reajustava a tabela do Imposto de Renda Pessoa Física; depois, foi incluída em outra MP que elevava o salário mínimo, mas acabou retirada –, e agora deve propor o novo imposto por meio de projeto de lei. Esta é apenas uma das novas fontes de receita na mira de Haddad, que também quer tributar apostas esportivas on-line, encomendas de pequeno valor, fundos de investimento exclusivos e grandes fortunas – enquanto não surgirem novas ideias sobre o que mais poderá ser taxado, já que no pensamento econômico petista a única forma de equilibrar um orçamento é acrescentando mais receitas; cortar despesas é anátema.
O arcabouço, da forma como está aprovado, com as várias exceções à regra, já não é uma ferramenta muito sólida; sem redução de despesas, torna-se ainda menos crível, o que influencia negativamente a confiança do investidor e dificulta, por exemplo, uma trajetória de queda sustentável dos juros. E nem falamos da necessária reforma administrativa, que só teria efeitos de médio e longo prazo; falamos de racionalização imediata do gasto público. A Petrobras já teve seu choque de realidade ao ver que não conseguiria segurar por muito tempo sua política voluntarista de manter artificialmente represados os preços dos combustíveis; mas infelizmente há motivos para questionar se Lula e Haddad serão capazes de perceber o que é óbvio para qualquer um que já tenha administrado um orçamento na vida, por menor que seja.
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