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Quando um candidato à presidência da Câmara dos Deputados acena para o PT com a promessa de combater a Lava Jato, fazer mudanças na Lei da Ficha Limpa (mudanças que muito provavelmente não seriam para melhor, e que agora esse candidato nega) e encontrar formas de bancar sindicatos, que perderam fontes de renda desde que a reforma trabalhista acabou com o absurdo “imposto sindical”, não há como esperar que algo de bom venha daí. Ainda que a oferta acabe recusada pelo partido que elevou a corrupção ao estado da arte no Brasil, a mera disposição de cooperar com o desmantelamento do combate à ladroagem já é péssimo sinal.
Quando um candidato à presidência da Câmara se vê envolvido em um escândalo que envolve a movimentação de cerca de R$ 250 milhões por meio de “rachadinhas” durante sua passagem por uma Assembleia Legislativa, também há motivos para preocupação. E as suspeitas não se dissipam com a absolvição na esfera criminal, pois ela se deu não porque as evidências fossem insuficientes, e sim porque foram consideradas ilícitas por um conflito de competência entre esferas do Judiciário. O assessor apontado como operador do esquema, aliás, está devidamente empregado no gabinete deste candidato ao comando da Câmara.
Arthur Lira não tem o perfil esperado para um presidente da Câmara no momento atual
Pois este é o perfil de Arthur Lira (Progressistas-AL), expoente do Centrão e o candidato favorito do presidente Jair Bolsonaro para a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ). Que o Palácio do Planalto esteja comprometido com alguém disposto a fazer concessões ao petismo e cuja reputação está abalada por suspeitas de corrupção é uma infeliz demonstração do enorme grau de simbiose entre o presidente da República e esse grupo de partidos. Novas demonstrações da profundidade dessa aliança devem aparecer na provável reforma ministerial que Bolsonaro pretende fazer, colocando favoritos do Centrão na Esplanada. O movimento foi tornado público pelo agora ex-ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que caiu não por causa das denúncias que o envolvem no “laranjal do PSL”, mas por ter perdido uma queda de braço interna com o general Luiz Eduardo Ramos, titular da Secretaria de Governo.
Todo governo prefere ter, no comando das casas do Congresso, pessoas mais alinhadas com sua plataforma, isso é evidente. Mais complicado é o fato de o Executivo colocar seu peso se envolvendo diretamente na sucessão, movimento que, quando falha, resulta em problemas para o governo. Em 2005, Severino Cavalcanti derrotou o candidato de Lula, Luiz Eduardo Greenhalgh, e só não impôs maiores dificuldades ao Planalto porque caiu em poucos meses, no escândalo do “mensalinho”. Em 2015, Dilma Rousseff tentou emplacar Arlindo Chinaglia e acabou tendo de lidar com Eduardo Cunha, com o desfecho que o país inteiro conhece.
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A questão é que Lira não tem o perfil esperado para um presidente da Câmara no momento atual. As concessões que prometeu ao petismo demonstram que ele não tem compromisso com medidas que aprofundem o combate à corrupção. Mesmo suas credenciais reformistas não são as melhores: Lira trabalhou, por exemplo, para retirar estados e municípios da reforma da Previdência, em 2019, e foi um dos líderes do movimento que obstruiu a votação de projetos importantes de interesse do governo até poucas semanas atrás. E, por mais que as questões de comportamento sejam importantes para boa parte do eleitorado que colocou Jair Bolsonaro no Planalto, Lira dá sinais de que, assim como fez Rodrigo Maia, evitará pautar projetos da chamada “pauta de costumes”.
Mais que um alinhamento incondicional ao governo, Câmara e Senado precisam ter à frente pessoas convictas da importância das reformas e do ajuste fiscal, da necessidade de evitar a explosão do gasto público e de reconstruir a confiança do investidor no Brasil, da urgência em desburocratizar a vida de quem quer gerar emprego e renda. Pessoas que vejam claramente a necessidade de prestigiar o combate à corrupção, e que também reconheçam o valor de pautas em defesa da dignidade da vida humana. Quem tiver esse perfil, uma vez investido do poder de comandar uma casa legislativa, pode prestar um grande serviço ao país.