Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, publicada dias atrás, o presidente interino Michel Temer anunciou a intenção de deixar que a iniciativa privada cuide de dois dos principais aeroportos do país: Congonhas, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio. São ativos bem mais interessantes que os aeroportos de Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e Florianópolis, cujos leilões de concessão já estavam anunciados e autorizados pelo Tribunal de Contas da União desde antes do afastamento de Dilma Rousseff.

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Colocar a infraestrutura aeroportuária sob o cuidado do setor privado é, sem dúvida, uma boa ideia. Quando o novo Terminal 3 do Aeroporto Internacional de Guarulhos (um dos primeiros a ter administração privada) foi inaugurado, pouco antes da Copa do Mundo, Martha Seillier, diretora do departamento de regulação e concorrência da Secretaria de Aviação Civil (SAC), foi taxativa: “Tivemos obras gigantescas em uma velocidade inesperada para o setor, resultado da agilidade da iniciativa privada. A Infraero não faria o que foi feito com a mesma qualidade e no mesmo período”, disse em entrevista à Gazeta do Povo. Quase ao mesmo tempo, Dilma Rousseff dizia que “os aeroportos não têm padrão Fifa, têm padrão Brasil”, numa confissão involuntária de que a qualidade dos nossos terminais não seguia exatamente as regras de excelência atribuídas aos estádios da Copa. Se as regras das futuras concessões (ou até mesmo privatizações) forem bem elaboradas, os ganhos para passageiros e empresas aéreas certamente serão grandes.

Desde 2013 as tais “receitas extraordinárias” têm sido a muleta do governo para cumprir metas

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Mas chama a atenção, também, a frase de Temer que vem imediatamente após o anúncio da intenção de entregar os aeroportos da ponte aérea à iniciativa privada: “deve dar uma boa soma”, referindo-se ao valor que seria pago pelo futuro concessionário ou proprietário. De fato, deve mesmo – Congonhas e Santos Dumont são movimentadíssimos, e devem chamar a atenção dos principais operadores aeroportuários do planeta. É neste momento que se deve questionar: a intenção de conceder (ou privatizar) é derivada de uma convicção sincera de que esse tipo de infraestrutura estará melhor nas mãos da iniciativa privada, ou é apenas uma tentativa de fazer caixa que não ocorreria em outras circunstâncias?

Desde 2013 as tais “receitas extraordinárias” têm sido a muleta do governo para cumprir metas, ou pelo menos não descumpri-las de modo tão flagrante. Naquele ano, já de uma distante época em que o Brasil fazia superávit primário, R$ 29,7 bilhões dos R$ 91,3 bilhões (ou seja, quase um terço do superávit) vieram do leilão do Campo de Libra (do pré-sal) e do “Refis da Crise”. Em 2014, o Brasil começou sua trajetória de déficits primários apesar de outro Refis (o da Copa) e do precipitado leilão da frequência de 700 MHz para a telefonia 4G. O então secretário do Tesouro, Arno Augustin, não escondia que o timing do leilão se devia à necessidade de fazer caixa. O resultado foi o fiasco: dois lotes ficaram sem comprador, e os outros quatro foram arrematados pelo preço mínimo. Em 2015, o governo leiloou 29 usinas de energia elétrica, também com pouca disputa; os R$ 17 bilhões conseguidos em outorgas ficaram longe de evitar o rombo de R$ 111 bilhões.

Mas receitas extraordinárias são, como o próprio nome diz, eventos fora do comum. Transformar o extraordinário em ordinário, confiando que todo ano haverá um grande leilão ou um Refis para ajudar as contas a fechar – se é que vão fechar –, é flertar com o desastre. Não há dúvidas de que é preciso desinchar o Estado, e a venda ou concessão de ativos é parte dessa estratégia. O essencial, no entanto, é o corte de gastos, é a racionalização nas despesas, é a reforma tributária e previdenciária. Só isso poderá colocar o país em uma rota sólida de crescimento.