O Tribunal de Contas do Estado (TCE) ainda não marcou a data da sessão em que vai avaliar as contas de 2014 do governador Beto Richa, mas deve fazê-lo nesta primeira quinzena de novembro. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas recomendou, em parecer prévio emitido em 19 de outubro, a rejeição das contas devido a irregularidades como o descumprimento de limites mínimos constitucionais, a mudança na meta fiscal de 2014 e gastos com pessoal além do prescrito na Lei de Responsabilidade Fiscal. O MPjTC ainda questiona a designação, ainda que por sorteio, do conselheiro Durval Amaral como relator, devido a seus vínculos anteriores com Richa.
Em situações como estas, é muito fácil cair na armadilha da “equivalência moral”, em que quaisquer nuances são abafadas na comparação entre dois comportamentos condenáveis, para decretar a igualdade absoluta entre eles e desmontar a realidade. É assim, por exemplo, que se afirma indiscriminadamente que “todos roubam, independentemente de partido”, ignorando que há os que roubam mais e os que roubam menos; os que roubam sistematicamente e os que roubam porque a situação se apresentou; os que roubam para fraudar a democracia e os que roubam em proveito próprio – circunstâncias que precisam ser levadas em consideração na avaliação de um crime. Dizer que quem não devolve o troco no mercado não tem autoridade para criticar os desvios bilionários do petrolão é outro exemplo prático da “equivalência moral”, recurso que costuma ser mais usado justamente por quem pratica (ou defende, por quaisquer motivos, os que praticam) as irregularidades mais graves. É fugindo desta armadilha que se pode analisar semelhanças e diferenças entre os casos federal e paranaense.
Em comum entre as duas situações, vemos a incompetência generalizada na gestão das contas públicas em 2014
Em alguns aspectos, o governo paranaense agiu de forma até pior que o governo federal. A meta fiscal de 2014, por exemplo, foi alterada no Congresso Nacional ainda durante o ano passado; no Paraná, a Assembleia Legislativa só mudou a meta no primeiro semestre de 2015, abrindo brechas para todo tipo de questionamento legal. É verdade que Dilma precisou chantagear por decreto e comprar os parlamentares para aprovar o golpe fiscal, enquanto Richa contou com uma Assembleia bem mais dócil – difícil saber o que é mais lamentável nesses casos, até porque em ambos a iniciativa das mudanças partiu do Executivo.
Por outro lado, das contas de Beto Richa em 2014, o que não se pode dizer é que elas utilizaram dos mesmos expedientes do governo federal com as chamadas “pedaladas fiscais”. Afinal, a essência das “pedaladas” é o uso de bancos estatais para, de forma oblíqua, “emprestar” dinheiro ao Executivo – no caso de Dilma, o Tesouro atrasou repasses para os bancos, que tiveram de tirar recursos próprios para fazer pagamentos que cabiam ao governo. Esta é uma manobra de que Richa não se valeu, até mesmo pela inexistência de um banco estadual com o qual “pedalar” – uma consequência positiva do processo de privatização de bancos públicos em diversas unidades da federação, ocorrido nos anos 90; felizmente, agora só podemos imaginar como seria um país em que todo governador tivesse um banco estadual à disposição para gambiarras fiscais.
Também há uma diferença notável entre os níveis de maquiagem nos dois casos. As “pedaladas” federais foram apenas parte de uma engrenagem gigantesca de “criatividade contábil” montada pelo governo e que já estava funcionando antes mesmo de 2014. Assim como no exemplo do roubo citado anteriormente, há os que maquiam mais e os que maquiam menos; os que fizeram da maquiagem um método e os que recorrem a ela de forma esporádica. Por esses critérios, o erro cometido em Brasília é muito maior.
De tudo isso, o que se conclui é que, em comum entre as duas situações, vemos a incompetência generalizada na gestão das contas públicas em 2014 e o discurso, nas duas campanhas da reeleição, de que essas contas estavam todas em ordem e que o futuro parecia brilhante, quando na verdade os sinais de que havia algo errado já estavam aparecendo tanto no Planalto quanto no Iguaçu. A má administração dos recursos públicos infelizmente é uma característica nacional, e é positivo que os tribunais de contas se mostrem mais rigorosos com a aplicação do dinheiro do contribuinte, apagando aquela impressão consagrada na expressão “tribunal de faz de contas”, sinônimo de órgão que, por conveniências políticas, fechava os olhos às calamidades cometidas.
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