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Editorial

As duas faces do câmbio

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Desvalorização do dólar é reflexo de um aumento nos investimentos estrangeiros no Brasil, atraídos pela taxa de juros mais alta. (Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo)

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Recentemente, a cotação do dólar ultrapassou o valor de R$ 5,70 e deixou a impressão de que a taxa de câmbio elevada tinha vindo para ficar e dificilmente cairia de forma significativa. Vários analistas seguiam prevendo que a cotação da moeda estrangeira continuaria flutuando para baixo e para cima, mas sem haver quedas expressivas no preço do dólar. Em geral, acredita-se que a redução no preço de qualquer produto é sempre algo positivo, e que o contrário – o aumento de preço – é sempre prejudicial à economia, especialmente às pessoas e às empresas. Essa mesma crença se aplica ao preço das moedas estrangeiras e principalmente ao dólar, por sua condição de moeda padrão internacional.

A base dessas crenças deriva de a elevação de preços ser um fenômeno decorrente de distorções e defeitos no sistema econômico e no funcionamento do mercado. Em uma economia próspera e com bons fundamentos macroeconômicas, espera-se que a inflação seja baixa e estável, sem criar maiores obstáculos ao crescimento. No caso específico das variações do preço do dólar (taxa de câmbio), há problemas mais complexos que os verificados com as variações de preços internos de bens e serviços. Quando o preço do dólar sobe, as receitas em reais das empresas exportadoras aumentam, pois, mesmo que se mantenham os preços internacionais em dólar, os exportadores têm aumento de sua receita ao trocarem os dólares por reais. Quanto aos importadores, o aumento da taxa de câmbio eleva os custos em reais dos produtos importados, de forma que os custos de produção em reais sobem e pressionam a inflação para cima.

Um bom exemplo dessa situação é o caso do trigo. Em torno de metade do trigo consumido no Brasil vem de importações e, quando o preço do dólar aumenta, as importações do produto ficam mais caras na moeda nacional e pressionam para cima os preços dos derivados do trigo, como pão, macarrão e bolachas. Em resumo, o aumento do preço do dólar é bom para os exportadores, mas é ruim para os importadores e para o controle da inflação. Por sua vez, a redução no preço do dólar é ruim para os exportadores, mas boa para quem faz importações, além de ajudar no combate à inflação. No início deste mês de abril, a cotação do dólar caiu para a casa dos R$ 4,70 e levou líderes empresariais a alertarem que, para determinados segmentos exportadores, a taxa de câmbio mais baixa poderá causar prejuízos, com a consequente diminuição das vendas ao exterior e, portanto, redução da produção e desemprego de trabalhadores.

Uma taxa de câmbio elevada compensa a baixa produtividade da empresa exportadora comparada com os concorrentes estrangeiros

Embora seja um tema técnico, com nuances contábeis e financeiras complexos, a taxa de câmbio elevada serve para compensar a baixa produtividade de parcela das empresas exportadoras, que somente conseguem ter lucro e sobreviver vendendo para o resto do mundo a preços elevados do dólar. Dizendo de outra forma: taxa de câmbio elevada compensa a baixa produtividade da empresa exportadora comparada com os concorrentes estrangeiros. De outro lado, como a inflação brasileira oficial, medida pelo IPCA, fechou 2021 em 10,06% – índice considerado muito alto diante da meta do Banco Central, que era de 3,75% –, o alto preço do dólar fatalmente acabaria levando ao aumento de preços em reais de produtos que dependem de matérias-primas, insumos e componentes importados.

Sempre é curioso observar que a população e os agentes de mercado tendem a comemorar quando a cotação do dólar cai e a ficar contrariados quando a cotação sobe. No jogo político, a elevação do preço do dólar é sempre motivo para críticas ao governo e à política econômica, de forma que quase todos os governantes usam a queda na taxa de câmbio para elogiar a si mesmos. Porém, o Brasil já viveu momentos em que taxas de câmbio reduzidas provocaram prejuízos pesados para certos setores exportadores e resultaram em fechamento de empresas e perda de empregos.

Quando a taxa de câmbio era controlada, a manutenção do dólar a preços baixos gerava severas críticas ao governo, como aconteceu no início de 1999, quando o Banco Central mantinha o preço do dólar em R$ 1,20, sob duras críticas do setor exportador, até o ponto em que o problema saiu do controle, o governo cedeu e liberou a flutuação cambial. O resultado foi a explosão na taxa de câmbio, com o dólar chegando a R$ 2,10 rapidamente, e se estabilizando mais adiante, em torno de R$ 1,60. Repetindo: se o preço da moeda estrangeira cai ao ponto de gerar prejuízos para as empresas exportadoras, logo vem a redução da produção, encerramento de atividades e a conhecida sequência de menos produto, mais desemprego, menos consumo e menos tributos.

As contas não são tão simples e diretas, pois o setor exportador brasileiro melhorou seus processos produtivos, modernizou máquinas e equipamentos, reduziu custos e promoveu ganhos de produtividade, de forma a obter lucros mesmo exportando a uma taxa de câmbio em queda, Porém, para o setor exportador como um todo, há limites para o quanto as empresas exportadoras conseguem suportar de redução no preço da moeda estrangeira enquanto os custos internos em reais sobem como reflexo da alta taxa de inflação.

O Brasil já deixou para trás o tempo em que a taxa de câmbio era decidida pelo Banco Central e tabelada diariamente, e esse tempo não deve voltar, pois a economia brasileira amadureceu e a livre flutuação cambial está consolidada, sendo um dos pilares da política macroeconômica, apesar de, nestes tempos de eleições, não faltarem aqueles que retornam com ideias que não fazem mais sentido pelos menos desde os anos 1970. Dólar baixo é sempre um alerta que o desafio é elevar a produtividade das empresas exportadoras, não promover elevação da taxa de câmbio por decreto.

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