O resultado das eleições intermediárias nos Estados Unidos, com a vitória do Partido Democrata sobre os candidatos republicanos apoiados pelo presidente George Bush, além de ter influência no cenário interno daquele país, repercutirá pelo mundo afora. Ele marca um ponto de inflexão na ordem internacional pós-guerra fria, ao balizar limites de ação à superpotência que emergiu depois do colapso comunista; sinalizando um recomeço para o século 21 diferente do período que o historiador Eric Hobsbawm chamou de "o breve século 20".

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O triunfo devastador dos democratas sinaliza uma vigorosa mudança do estado de opinião em relação ao resultado de dois anos passados, quando o presidente Bush ganhou a reeleição, apoiado pelo voto conservador da América profunda. Os valores de então mesclavam a continuidade do sentido de missão herdada dos primeiros povoadores com a convicção de que a atuação internacional do país, em especial na Guerra do Iraque, representava um baluarte em defesa da segurança dos Estados Unidos na luta continuada contra o terrorismo.

Colocados ante o dilema de condenar a guerra e ser acusados de impatriotismo, os candidatos democratas apresentaram um herói do passado – o senador John Kerry que se distinguira no Vietn㠖 como concorrente à presidência. Porém as feridas abertas pelos atentados terroristas de 2001 em pleno território norte-americano ainda estavam vivas e Bush foi reeleito sob os aplausos dos "falcões", os mentores intelectuais da doutrina de guerra preventiva como melhor defesa dos interesses do país. A argumentação era que a potência americana tinha uma dotação tão ampla de recursos militares, tecnológicos e econômicos que poderia "lutar duas guerras simultâneas em diferentes partes do mundo".

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Essa teoria se provou falaciosa depois que os fundamentalistas do Afeganistão se mostraram capazes de resistir a um longo confronto com forças ocidentais e, principalmente, após o atoleiro da intervenção anglo-americana no Iraque. Ali, a sucessão de erros estratégicos devem ter envergonhado os grandes teóricos de política internacional, à frente o professor Henry Kissinger. Ao removerem o governo autoritário, mas laico, de Saddam Hussein, os americanos converteram o Iraque num teatro do caos, onde radicais de seitas islâmicas rivais se enfrentam em choques sangrentos, com mortes de milhares de civis inocentes, desorganização econômica e, sobretudo, baixas de soldados norte-americanos.

Pior, derrubando o governo Saddam, fortaleceram os radicais vizinhos – do Irã dos aiatolás xiitas à Síria de uma ditadura árabe clássica, passando pelos grupos militantes do Líbano e da Palestina – todos antiocidentais e prontos a hostilizar o aliado ocidental do Oriente Médio, o Estado de Israel. Ao votarem na terça-feira os eleitores americanos debitaram esses e outros erros de política ao partido no poder, num processo cujo desdobramento continuará, alcançando inclusive as relações dos Estados Unidos com o Brasil.