O Brasil chega ao primeiro turno das eleições de 2018 dividido e polarizado. O pleito deste dia 7 tem uma série de características que destoam das últimas disputas presidenciais, como um leque de opções ideológicas bem mais amplo que o de eleições anteriores, uma nova compreensão da relevância do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão, e a importância crescente de temas morais. Também há aspectos preocupantes, como as tentativas de deslegitimar o pleito e a ascensão das fake news como ferramenta de campanha, além do escárnio da apresentação da candidatura de um notório ficha-suja, o ex-presidente e atual presidiário Lula. E, entre esses pontos negativos, há de se destacar, também, uma perigosa deterioração na capacidade do diálogo entre os cidadãos – uma consequência que tem efeitos bem mais amplos que os resultados de uma eleição.
A discussão respeitosa e racional sobre plataformas de campanha dos candidatos, aspectos positivos e negativos de suas personalidades e biografias, o histórico dos partidos, tudo isso foi deixado para trás para dar lugar aos mais diversos tipos de conclusões precipitadas sobre o que move o eleitor. Demoniza-se o voto alheio que não seja dirigido ao candidato preferido, com todo tipo de considerações. Um raciocínio específico, por exemplo, tem sido dirigido aos eleitores do líder nas pesquisas, o deputado Jair Bolsonaro (PSL): o de que quem vota nele o faz não apesar do que ele diz – em referência a suas declarações consideradas autoritárias e preconceituosas contra mulheres, homossexuais e outras minorias –, mas por causa do que ele diz. Um raciocínio segundo o qual o eleitor de Bolsonaro só pode ser uma pessoa perversa, igualmente autocrática e preconceituosa. Ora, seria como afirmar que o eleitor de Fernando Haddad vota no preposto de Lula não apesar da corrupção desenfreada e do amor do PT por ditaduras como a cubana e a venezuelana, mas por causa disso, como se todo eleitor do PT efetivamente quisesse a bolivarianização do Brasil e a canonização do “rouba, mas faz”. Ora, nenhum dos dois raciocínios faz sentido: tais afirmações escondem, quando não a tentativa de constranger quem vota neste ou naquele, a pretensão de adivinhar o que vai na cabeça de dezenas de milhões de eleitores, economizando o esforço para realmente entender suas razões.
Existe uma pretensão de adivinhar o que vai na cabeça de dezenas de milhões de eleitores
Já se vão dois anos desde que Hillary Clinton, durante a campanha presidencial norte-americana, disse, em um evento, que metade dos eleitores de Donald Trump não passava de “um bando de deploráveis”. Os presentes riram e aplaudiram, e ela continou: “Não é? (mais aplausos e risos) Eles são racistas, sexistas, homofóbicos, xenofóbicos, islamofóbicos, o que mais você imaginar”. A própria Hillary admitiu, em livro escrito após a derrota, o que vários analistas políticos já haviam dito antes mesmo da votação: que a frase tinha causado um estrago enorme a ponto de jogar fora uma vitória que parecia certa. Mas, novamente, não se trata aqui de analisar apenas estratégia eleitoral: o que a frase esconde é uma enorme arrogância, a mera desqualificação do eleitor do adversário, o que dispensa automaticamente o diálogo.
Curiosamente, a continuação do discurso de Hillary era bem mais sensata, ao falar da “outra metade”, a dos que não eram “deploráveis”, mas se sentiam abandonados pelo governo, queriam mudança. Eram os eleitores que “não compram tudo o que ele [Trump] diz, mas ele parece lhes dar alguma esperança de que suas vidas serão diferentes (...) Essas são as pessoas que precisamos compreender e com quem temos de ter empatia”. Esta deveria ser a atitude diante de qualquer um que vote em alguém que consideramos inaceitável. O grave erro de Hillary, e que se repete aqui, seja entre a intelligentsia nacional, seja entre a militância exaltada, é achar que se pode simplesmente rotular ou constranger parte do eleitorado do adversário (ou todo ele) sem buscar entender suas razões, como se houvesse um único motivo que levasse dezenas de milhões de pessoas a apertar determinado número na urna eletrônica.
Leia também: Compromisso com a democracia (editorial de 2 de outubro de 2018)
Nossas convicções: O poder da razão e do diálogo
O fato é que pode haver tantas razões quanto há eleitores. Certamente haverá razões torpes: há os preconceituosos, os que compactuam com autoritarismos, os que justificam a corrupção. Mas também haverá motivos – e, cremos, é o caso da maioria – perfeitamente razoáveis, ainda que possamos discordar deles ou considerá-los equivocados, para votar em qualquer candidato – inclusive a convicção de que aquele voto é necessário para impedir a vitória de uma pessoa, partido ou programa que se considere ainda pior ao país. Mas não há maneira de conhecer essas razões, as boas e as más, sem o diálogo, a conversa franca e desarmada, com argumentos e não com rótulos.
Que essas poucas horas que ainda restam antes do primeiro turno e os dias que levarão ao segundo turno sirvam para recuperarmos a capacidade de dialogar com quem tem posições discordantes, compreender e avaliar suas razões, contrapondo-as com bons argumentos, em um clima de civilidade. Essa capacidade não nos serve apenas em época eleitoral, mas para toda a nossa vida, na discussão de todos os temas que consideramos importantes. É um sinal de maturidade e de respeito ao próximo, tão necessários no Brasil contemporâneo.
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