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Editorial

As emendas de relator e o preço do Congresso para Lula furar o teto

Lula orçamento secreto
Geraldo Alckmin, Arthur Lira e Lula em encontro no início de novembro: governo eleito não deve abrir discussão sobre o orçamento secreto com o Congresso atual. (Foto: Reprodução/Instagram)

Quando foram aprovados os primeiros detalhes da PEC da Transição, o mecanismo fura-teto que Lula quer ver aprovado para poder cumprir promessas de campanha referentes ao Bolsa Família e ao aumento real do salário mínimo, de imediato se levantou a possibilidade de o texto não ter vida fácil no Congresso. A própria equipe de transição ajudou a criar rejeição à PEC quando pediu um cheque de quase R$ 200 bilhões e uma licença para gastar sem prazo determinado; há parlamentares cientes da importância da responsabilidade fiscal que pretendem se opor a esse tipo de “piso de gastos”. Mas um outro grupo de congressistas parece mais interessado na velha tática de criar a dificuldade para vender a facilidade. E o preço para a aprovação da PEC já estaria dado.

Reportagem da Gazeta do Povo mostrou que expoentes do Centrão como o deputado Ricardo Barros (PP-PR), atual líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara – mas que já mostrou sua disposição de negociar com Lula –, defendem que a PEC inclua também o caráter impositivo para as emendas de relator, tecnicamente chamadas RP9, um instrumento que o Congresso Nacional desvirtuou completamente para que fosse transformado em um novo balcão de barganha política. A ideia já foi tentada na votação do Orçamento de 2020 e da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023 – na primeira ocasião, caiu graças a um veto de Bolsonaro (a contrapartida do governo foi a própria manutenção das emendas); na segunda, o senador Marcos do Val (Podemos-ES), relator da LDO, recuou diante da repercussão negativa. Barros coloca essa terceira tentativa na conta da “segurança jurídica” e na necessidade de impedir mais “ativismo judicial” do STF (que julga uma ação contra essas emendas), mas até as paredes do Congresso sabem que o objetivo real é garantir que o apetite dos parlamentares será saciado. Segundo Barros, a proposta veio da própria equipe de transição, e não do Centrão – mas quem quer que seja o autor da ideia sabe que ela soaria como música aos ouvidos desses congressistas.

A crítica às emendas de relator foi um dos raros acertos da campanha de Lula, mas, depois do segundo turno, o petista já passou para o estágio do “veja bem”

A imoralidade das emendas de relator foi ressaltada pela Gazeta do Povo desde a primeira queda de braço entre Bolsonaro e o Congresso, por ocasião da tramitação do Orçamento de 2020. A função original das RP9, como diz o próprio site do Congresso, é apenas retificar “erros e omissões de ordem técnica ou legal” e “recompor, total ou parcialmente, dotações canceladas”. No entanto, o instrumento foi sequestrado para beneficiar um grupo específico de parlamentares. Ele viola a isonomia, pois, se nas emendas individuais cada deputado ou senador, seja da base aliada, seja da oposição, tem direito ao mesmo montante, nas emendas de relator esse critério não existe. E essa distribuição de recursos ainda ocorria de forma nada transparente, pois, como o nome diz, o único “autor” de tais emendas é o relator do Orçamento – embora, obviamente, o Executivo saiba muito bem quem ganha na liberação de cada emenda, e o que deve ser cobrado em troca. Para garantir o “anonimato”, os pedidos de emendas RP9 não cumpriam nenhum rito formal; quando o escândalo estourou pela primeira vez, houve relatos de pedidos feitos até por WhatsApp. A primeira intervenção do STF teve o objetivo de ao menos garantir publicidade ao processo, com as devidas identificações.

As RP9, portanto, são uma aberração orçamentária que facilita o fisiologismo e até mesmo a corrupção; ainda por cima, seu grande volume, na casa das dezenas de bilhões de reais, significa que o Poder Executivo terá ainda mais reduzida uma margem que já é curta para alocar recursos como bem entender, naquelas ações que considera as mais importantes e que correspondam ao programa vencedor nas urnas. Em um sistema presidencialista como o brasileiro, este é um completo contrassenso, pois o governo – qualquer governo, de direita, de esquerda ou de centro – se torna coadjuvante, e não protagonista, da alocação de recursos públicos. “O orçamento deveria ser proposto e executado pelo Poder Executivo”, afirmou à Gazeta Marcos Mendes, do Insper, em maio de 2021. E acrescentou: “É péssimo existir emendas, ainda mais a obrigatoriedade de execução”.

A crítica às emendas de relator foi um dos raros acertos da campanha de Lula, mas, depois do segundo turno, o petista já passou para o estágio do “veja bem”. Compactuar com a transformação das RP9 em impositivas seria a fase final da hipocrisia, o que não chega a ser surpreendente quando se trata do petismo. Quanto aos parlamentares que estão de olho nessas emendas, essa articulação só demonstra que, para alguns, contanto que seus interesses sejam atendidos, pouco importa que o país seja colocado na rota do caos fiscal, da inflação fora de controle e da recessão.

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