A sensível melhora das condições no ambiente de trabalho, do respeito ao bem-estar dos empregados, das políticas de segurança e dos salários, nos últimos 100 anos, se deve em larga medida à organização dos trabalhadores, à liberdade sindical e ao direito de greve. Nas sociedades livres, o direito de organização e de mobilização é um dos pilares do conjunto das liberdades e dos direitos individuais. Entretanto, o excessivo número de greves que se repetem todos os anos tanto nas empresas de produtos individuais como nas empresas de bens públicos e em serviços do governo é consequência, entre outros fatores, da legislação precária e insuficiente.
A legislação trabalhista brasileira, incluindo as normas legais sobre greve, está velha, superada e incompatível com os tempos modernos. Somente isso já seria motivo suficiente para reformá-la e atualizá-la. Mas antes de começar a discussão é necessário estabelecer algumas premissas. A primeira é a de que dá para fazer uma legislação moderna sem suprimir as chamadas conquistas sociais dos trabalhadores. Qualquer reforma somente terá chance de prosperar se ficar acordado que não serão retirados benefícios trabalhistas, como décimo terceiro salário, férias remuneradas, licença-maternidade e outros.
A segunda premissa é a necessidade de tratar as atividades econômicas em grupos distintos, organizados segundo sua função no sistema econômico. Empresas que produzem bens pessoais a exemplo de uma fábrica de camisas e operam em regime de concorrência devem ter um tipo específico de legislação de greve, pois, quando seus empregados paralisam as atividades, o único prejudicado é o patrão. Quanto ao consumidor, ele tanto pode adiar a compra do produto como pode comprá-lo de outro fabricante.
Empresas que produzem bens monopolistas a exemplo de uma companhia de água ou energia devem ter outro tipo de legislação de greve, porque, quando seus empregados paralisam as atividades, eles têm um poder de morte sobre a população, já que sem água e sem luz as pessoas não sobrevivem. Em certa medida, isso também ocorre com as empresas de transporte coletivo, o policiamento e outros serviços públicos ofertados em regime de monopólio.
A terceira premissa diz respeito às consequências da greve sobre um empregado privado regido pela CLT e sobre um funcionário público com estabilidade no emprego. Sobre o empregado privado paira o fantasma da demissão, e uma greve radical pode levar o negócio à falência com perda do emprego para todos. Funcionário público jamais é demitido por causa de greve. Logo, não é razoável que a lei seja a mesma para o empregado privado e para o funcionário público.
Uma legislação moderna deve prever canais de negociação e meios legítimos de reivindicação pelos trabalhadores, de forma que a greve somente ocorra em casos extremos e após esgotados todos os meios anteriores. Nos casos de serviços públicos e de produtos monopolizados (serviços postais, energia, água, policiamento, transporte coletivo), a negociação e a solução dos conflitos salariais e trabalhistas não devem ficar restritos às duas partes envolvidas patrões e empregados. É necessário o envolvimento de outras instâncias por exemplo, a Justiça do Trabalho desde o início do processo a fim de que a paralisação se torne quase desnecessária e, se ocorrer, deve prever a continuação do atendimento à população.
A legislação ruim atual é, em grande medida, responsável pelo grevismo e pelo excessivo número de paralisações que vêm infernizando a vida da população. No caso do serviço público, é inexplicável que o Congresso Nacional não tenha regulamentado o direito de greve até hoje, apesar de a Constituição de 1988 mandar fazê-lo. Em algumas greves de funcionários do governo, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi provocado a se pronunciar, levando muitos políticos a gritarem contra o suposto ativismo legislativo do STF, o qual simplesmente ocupa um vácuo deixado pela omissão do parlamento.
Lamentavelmente, as greves rotineiras e cotidianas e o sofrimento que elas têm imposto à população não têm sido suficientes para sensibilizar os políticos e as autoridades no sentido de começarem a reforma trabalhista.
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