Curitiba viveu nas últimas semanas uma nova onda de invasões de terrenos urbanos de propriedade particular. Grupos que se auto-intitulam de sem-teto ocuparam várias áreas, na esperança de assim resolver, à margem da lei, o inegavelmente grave problema de moradia que enfrentam. As famílias acabaram rapidamente desalojadas desses imóveis por ordens de reintegração de posse ditadas pela Justiça e cumpridas pelas forças do Estado, como manda a lei.
Os últimos acontecimentos puseram a nu pelo menos duas faces do problema: de um lado, mais uma vez vimos emergir para o público a questão do déficit de moradias para as camadas mais carentes da população; de outro, vimos repetir-se o inescrupuloso uso político do drama vivido dessas famílias de deserdados da sorte por parte de facções mais interessadas em tirar proveito do que em contribuir civilizadamente para a resolução do problema.
Calcula-se em mais de 7 milhões de unidades o déficit de habitações dignas desse nome no país. Em Curitiba e região metropolitana os últimos levantamentos indicam a existência de pelo menos 130 mil famílias morando em subhabitações em 800 diferentes áreas de ocupação irregular, somando cerca de 520 mil pessoas. Impossível não reconhecer a gravidade do problema e ficar de braços cruzados diante deles.
Compete aos governos, sejam eles federal, estadual ou municipais, enfrentar esse drama. Compete-lhes desenvolver políticas eficazes e conseqüentes para atender a esta que é uma das mais angustiantes demandas sociais. Sabe-se, contudo, que não há recursos orçamentários suficientes para dar conta do enorme custo que um empreendimento dessa natureza exigiria. Mas sabemos, também, que a falta de moradias regulares e dignas é efeito e não causa. O que significa que enquanto não se atacar as causas, poucos resultados serão alcançados para debelar o efeito.
As famílias não moram em favelas, não invadem terrenos nem vivem em barracos de lona se tiverem condições de se elevar a padrões melhores e mais seguros de moradia. Como regra geral, o que lhes falta é emprego e renda que lhes possibilitem essa evolução por sua própria iniciativa, como convém para a preservação da dignidade humana. Não será, portanto, com crescimentos pífios da riqueza nacional como os observados nas duas últimas décadas que se promoverá a inclusão social e econômica dos milhões de famílias que hoje vivem nas fímbrias da sociedade, sem possibilidade de acesso não só à moradia como também à alimentação, saúde, educação...
A raiz do problema habitacional está muito mais, portanto, em questões estruturais do modelo econômico brasileiro, pobre em oferecer oportunidades de melhoria social, do que em si mesmo. Esta visão, contudo, não elide do Estado a responsabilidade, sim, de enfrentar diretamente a questão, fazendo tudo quanto estiver ao seu alcance, mediante programas de facilitação do acesso à moradia aos milhões de necessitados.
Por outro lado, o drama desses milhões de necessitados não pode ser objeto da ação despudorada de grupos políticos, cujo objetivo não é o assegurar felicidade mínima ao povo desprotegido, mas criar dificuldades para adversários em contendas eleitorais, presentes ou futuras. Não resolvem o problema da habitação, pisoteiam a ordem legal, desafiam o estado de direito, desordenam o desenvolvimento urbano e criam outras demandas para o poder público que, logicamente, também não serão atendidas.
Esta, definitivamente, não é a maneira correta, responsável, justa e civilizada de se fazer política. Não é a exploração inescrupulosa da infelicidade dos pobres o melhor caminho para tirá-los dessa condição mas pela construção da paz e da coexistência harmônica e pró-ativa entre os agentes públicos sobre os quais pesa a responsabilidade de proporcionar-lhes novos horizontes.
Infelizmente, os últimos episódios de invasões registrados em Curitiba e na região metropolitana são o oposto disso.